Fernando Raposo
“O” PROBLEMA - A PROPÓSITO DA CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO
O que se tem passado com a contagem do tempo de serviço dos professores é revelador da falta de sentido de Estado, por parte dos governantes e, sobretudo, da falta de reconhecimento do papel da escola na formação dos jovens e dos cidadãos em geral.
Aliás, é curioso que alguns dos que fazem ou fizeram carreira política e que têm maltratado a escola e os seus agentes não se tenham inibido de recorrer a “esquemas pouco ortodoxos”, para obterem reconhecimento académico, independentemente daquilo que era suposto terem aprendido. Mas isto é outra história e que diz bem do carácter de alguma gente que se movimenta em torno da política.
O que importa agora é procurar entender porque razão insiste o governo, isoladamente, em não contar todo o tempo de serviço dos professores.
Aquando da aprovação do orçamento para 2018, portanto para o ano que agora decorre, o governo comprometeu-se a contar todo o tempo de serviço (nove anos, quatro meses e dois dias), correspondente aos períodos de congelamento de carreiras de 2005 a 2007 e de 2011 a 2017, remetendo-se o tempo, o modo e o calendário para a discussão negocial sobre “o modelo de recomposição da carreira”.
É isto que deveria estar agora a ser discutido e negociado.
Na Declaração de Compromisso assinada pelo Governo e pelos Sindicatos, que tenho à minha frente, pode ler-se: “negociar nos termos da alínea anterior” (refere-se esta às variáveis que devem ser consideradas)“o modelo concreto da recomposição da carreira que permita recuperar o tempo de serviço” (nº.5, alínea b).
Ao referir-se “ o tempo de serviço” e não “tempo de serviço”, quer significar, salvo melhor interpretação, o tempo todo e não apenas parte do tempo.
Se já era intenção do Governo, na altura da assumpção do compromisso (Novembro de 2018), contar apenas parte do tempo, deveria tê-lo dito e escrito de forma inequívoca.
Agora, julgo ser despropositada e de má fé.
Pode-se argumentar que o país não tem os recursos suficientes, mas isso deveria ter sido ponderado aquando da discussão e aprovação do Estatuto da Carreira Docente que está em vigor. Sendo o Estado uma pessoa de bem, não pode agora o Governo, este ou outro, alterar unilateralmente as regras conforme lhe dá jeito.
Os professores cumpriram com os seus deveres, muitos com grandes sacrifícios e até sofrimento, longe das suas famílias, percorrendo centenas de quilómetros todos os dias.
Ao contrário do que alguns julgam, mal, na minha opinião, a vida de professor é hoje, mais do que nunca, exigente e desgastante e muito mal recompensada e reconhecida.
Conheço inúmeros professores que, depois de 25 anos de serviço, percorrem ainda hoje centenas de quilómetros, permanecem nos 2º e 3º escalão e auferem vencimentos líquidos de 1000 euros, ou pouco mais.
Se se tiver em conta os custos com combustíveis, desgaste do veículo, portagens, etc., muitos dos docentes ficam com pouco mais do que nada para viver.
A defesa da escola pública não é compaginável com o não reconhecimento e valorização do papel do professor.
Todos temos consciência de que o país não tem os recursos suficientes, pelo que a melhor governação passará sempre, em cada momento, pelas opções e definição de prioridades de cada um dos governos. E essas opções e prioridades têm de ser necessariamente contextualizadas por um quadro de referência ideológico, pautado por princípios e valores.
As próximas eleições legislativas, em 2019, deverão constituir uma oportunidade de ouro para os partidos proporem e discutirem qual o modelo de sociedade que defendem: se uma sociedade mais justa e solidária ou se, pelo contrário, uma sociedade mais egoísta em que cada um fica entregue a si próprio; que reforma do Estado se propõem implementar, se querem um Estado que coloque no centro das suas preocupações as pessoas e a defesa da dignidade humana, ou se, pelo contrário, querem um Estado mínimo e assistencialista.
O que não é possível é querer tudo e o seu contrário.
Não é possível defender o Estado Social e, ao mesmo tempo, continuar a “tapar os buracos” da Banca com milhares de milhões de euros ou a esbanjar de recursos públicos com estudos e mais estudos inúteis (vejam-se os inúmeros estudos que se fizeram para o novo aeroporto e para o TGV).
Não é consentâneo querer uma sociedade mais justa e, a par disso, continuar-se impotente no combate à corrupção, que tem tido como consequência o depauperamento do erário público e da própria democracia.