Fernando Dias
Uma História da Carochinha para Adultos ou Os empresários de proximidade
A Carochinha tinha um filho com trinta e muitos anos.
Todas as manhãs limpava o pó, lavava as escadas, passava a ferro, dava comida aos periquitos, regava as flores e fazia o almoço. Enquanto esperava que o filho acordasse para almoçar, punha-se à janela e suspirava: “Quem arranja um emprego para o meu rapaz?”
Ontem, um polícia ouviu e arriscou:
- Ó minha senhora, estão a recrutar polícias.
- Credo! O meu filho a lidar com gatunos? Nem pense! Ainda se fosse para oficial… mas ele nem sequer acabou o secundário …
Passou um sacerdote.
- Quem sabe se ele não terá uma vocação ainda por descobrir…Nunca é tarde.
- Vocação? Só se for para “o bom trato e descanso”, mas eu também não quero uma vida de clausura para o meu filho. Ele está habituado aos bares e às discotecas e ia-lhe custar muito. Coitadinho. “ Ai quem arranja um emprego para o meu rapaz?”
Passaram, entretanto, um motorista que queria um ajudante, um empreiteiro que precisava de um eletricista, um agricultor à procura de um tratorista, um gestor a pedir um informático…
Nada serviu à Carochinha. “O meu filho enjoa nos carros”, “tem medo das ferramentas”, “faz-lhe impressão o barulho”, “tem alergia ao pó”, “não quer responsabilidades”, “sente-se mal se estiver muito tempo sentado”, “fica stressado com os horários“ “e não se governa com um ordenado pequeno”.
A tarde ia a meio. A Carochinha já quase dormitava. Mesmo assim, ainda conseguia murmurar “Quem arranja um emprego para o meu rapaz?”
- Eu estive a ouvir tudo e tenho o trabalho ideal para ele. – Disse um cavalheiro bem-falante e engravatado. - Ele tem exatamente o perfil de pessoa que procuro e vai adorar a minha proposta.
- ???!!!
- Se ele quiser, vai ser um dos meus “empresários de proximidade”.
- ??!!
- É simples. Constitui uma empresa com a minha ajuda. Só tem de assinar.
- Não é por ser meu filho, mas Isso, ele sabe fazer muito bem. Tem uma assinatura que parece um doutor!
- Depois, basta concorrer a uns trabalhos e a uns fornecimentos de materiais e de serviços. Eu trato de tudo. Ele só assina.
- Mas ele não sabe fazer nada!
- Não se incomode. Ele não vai precisar de fazer nada, porque esses serviços vão ser entregues a outros. Ele só assina e recebe uma parte, em dinheiro. E se, por acaso, lhe for entregue algum serviço, ele fala comigo e a gente faz uma subempreitada. Tudo se resolve e todos ganhamos algum.
- Ó filho, acorda!