Lopes Marcelo
CANCIONEIRO LOCAL
A voz é o mais extraordinário meio de comunicação e de realização , quer individual, quer colectiva. Assim, falar e, sobretudo cantar, é moldar a voz humana aos cânticos iniciáticos da criação, qual mosaico de sons originais da natureza, em variados tons e melodias inspiradas no trinar dos pássaros, no vento, na água... Tal descoberta e a sua progressiva exercitação, terá constituído uma das mais sublimes aplicações da inteligência dos seres humanos.
Entre a variedade de cantares, transmitidos oralmente ao longo de sucessivas gerações, foi-se consagrando a música tradicional que representa o enlace entre os ritmos do trabalho, da diversão, do profano e do sagrado, resultando melodias que expressam a arte e o engenho do nosso povo no cancioneiro local, na sua forma mais original e genuína, cantado à capela.
Atendendo ao entorno social e cultural ou seja aos usos e costumes das comunidades, resulta o contexto, o conteúdo e a forma que permitem caracterizar e destingir a música tradicional da música erudita. Enquanto a música tradicional é definida pela oralidade e foi-se alterando conforme a evolução de cada comunidade, a música erudita é obra de um compositor que a fixou em pauta. Outros compositores a podem revisitar com novas interpretações mas existe na sua integridade tal como foi inicialmente fixada.
A música é considerada popular em função da moda de cada época. Pode considerar-se que toda a música tradicional foi ou é popular ao contrário de outros tipos de música que na sua época foram de grande aceitação popular sem terem raiz tradicional.
À música tradicional podem ser atribuídas certas características relevantes, designadamente:
(i) a origem radica no povo, não sendo feita por académicos ou eruditos:
(ii) o criador fica anónimo, pois na transmissão oral perdem-se as referências autorais individuais;
(iii) o povo adopta e acolhe o que mais lhe interessa e preserva o que lhe diz respeito pela adesão ao seu modo de produção e aos seus valores culturais, por isso guarda, repete e transmite.
A música tradicional abrange várias categorias, designadamente: cantigas de trabalho; cânticos ligados ao sagrado; cantigas de amor, cantigas irónicas e de folguedos; cantigas de baile e rimances.
Por hoje, vamos referir as cantigas de trabalho que abrangem cânticos individuais e, sobretudo colectivos, quase sempre à capela, ao ritmo das tarefas rurais, como o lavrar, as mondas, as sachas, as desfolhadas, as ceifas, as vindimas e colheita da azeitona, entre outras.
Deixo aos leitores uma cantiga inédita da colheita da azeitona, recolhida no concelho de Penamacor.
Já se acabou a azeitona
Já não ganhamos dinheiro
Ai, já não ganhamos dinheiro.
Já se acabou a azeitona
Do nosso patrão Conselheiro
Ai, do nosso patrão Conselheiro
Ai-ló ai la-ri-ló- lé-la
Ai-ló ai la-ri-ló-ló.
Já se acabou a azeitona
Foi uma grande canseira
Ai, foi uma grande canseira.
Já se acabou a azeitona
Do nosso patrão Ferreira
Ai, do nosso patrão Ferreira.
Ai-ló ai la-ri-ló-lé-la
Ai- ló al la-ri-ló-ló.