António Salvado
SOBRE A POESIA RELIGIOSA DE ALEXANDRE HERCULANO
A poesia religiosa de Alexandre Herculano foi o tema da palestra que proferi no passado 21 de Novembro no Centro Artístico Albicastrense, a segunda palestra da série JÁ LEU A POESIA DE…?. Deixo um breve apontamento, porque considero a temática relevante no quadro da literatura portuguesa.
Cumpre, numa perspectiva de rápida contextualização, falar de alguns aspectos determinantes da biografia do escritor, aspectos esses que cimentaram coordenadas várias da sua ampla obra. De família modesta, Herculano estuda nas aulas gratuitas da Congregação do Oratório e assiste, depois, às aulas de Diplomática (leitura de documentos antigos) na Torre do Tombo. Autodidacta, adquire invejável cultura, o que lhe permitirá também adquirir na História da Literatura Portuguesa invejável lugar.
Assiste em Portugal à revolução liberal e, em seguida, a várias contra-revoluções. Em 1831, de posição contrária ao absolutismo miguelista ressurgido no seu país, emigra para França e aqui toma contacto com as novas correntes românticas e a sua experiência de exilado proporcionar-lhe-á um dos temas mais originais do seu poemário. Em 1832 regressa a Portugal, incorpora-se, como soldado raso, nos 7.500 que defenderam o liberalismo no cerco do Porto e, após o triunfo da corrente liberal, trabalha como 2º bibliotecário no Porto, mas em 1838 dá-se uma reviravolta política do desagrado do escritor e este vem para Lisboa. E será aqui que desenvolverá larguíssima actividade como jornalista, novelista, romancista, polemista, poeta. Gozando de acentuado prestígio, o rei D. Fernando nomeia-o director da Biblioteca da Ajuda e esta estabilidade profissional permitir-lhe-á concretizar notáveis e variadas obras (História de Portugal, Lendas e Narrativas, O Bobo, O Monge de Cister, a História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal, etc.). Desenvolve acção política, mas as mudanças no poder político desagradam-lhe e agudizam em Herculano um certo azedume. Entretanto, gozando embora de enorme prestígio, recusa várias honrarias: a condecoração da Torre e Espada, ser Par do Reino e Ministro e até, em 1858, o ensino da cadeira de História de Portugal no recente Curso Superior de Letras. E, para surpresa geral, compra uma quinta em Vale de Lobos, tornando-se agricultor de sucesso. Nesta quinta morreria em 1877.
Mas a parte mais significativa será a poesia de Herculano. Saliente-se que o próprio título – A Harpa do Crente – sintoniza já a substância e conteúdo dos poemas do livro, a sugerirem acordes litúrgicos envolventes. No conjunto dos poemas ergue-se a afirmação de uma crença religiosa cristã plena de emotividade e de sincera materialização pelo verso – testemunho, enfim, de discurso ao divino do mais alto nível na poesia religiosa portuguesa e não só. Por outro lado, e se esse testemunho formaliza o eixo central da mensagem, outras achegas o alargam mais: a noite, a solidão, a dor, a saudade, a esperança e a desesperança, o exílio, a morte. E ainda a presença silenciosa das ruínas, da natureza agreste ou carregada de beleza relacionada com o próprio destino do Homem. Mas, em natural simbiose, ao seu canto de crente ligou Herculano uma atmosfera quase panfletária ao salientar que, tendo sido Cristo o Libertador, o Seu testamento patenteia com clareza a defesa dos ideais de liberdade, condenando todos aqueles que reduzem os povos à miséria e à escravidão. Herculano, disse, na sua qualidade de poeta cristão, teceu uma imortal página do romantismo português e no rico conjunto da poesia religiosa portuguesa ocupa um lugar de inegável originalidade.