Lopes Marcelo
CANCIONEIRO LOCAL IV
Cantigas de desamor, falta de amor, desprezo ou creldade, como contraponto da grande vertente do amor e da melodiosa face do enamoramento. Expressão crítica das relações de afronta e desaforo que nas nossas sociedades rurais assumiam bastante relevância social e cultural evidenciando, também, a maneira de ser, de falar e de cantar da nossa gente quando em tom de desaba cantava:
As penas leva-as o vento
Aquelas que leves são.
Só de mim ninguém leva uma
Que trago no coração.
Nos dois exemplos que hoje referimos, ressalta a tristeza do amor não correspondido e da crítica social como forma de defesa e de afirmação própria.
Carta magoada
As tuas cartas não sei
Onde as pus, onde as guardei
Para tas mandar agora.
As minhas fica com elas
Não mas tornes a mandar
Rasga-as bem e deita-as fora.
A tua fotografia
Lá te irá ter qualquer dia
Se o caso não for urgente.
A minha fica com ela
E um dia mais tarde ao vê-la
O remorso te apoquente.
Também te mando o anel
Não pensei ficar com ele
Nem o devia usar.
Porque eu até tenho medo
Que outro mo veja no dedo
E me deite o mau olhar.

Tens a mania
Tens a mania que és linda
E engana-te o coração
O rapaz que te namora
Ó, ai, traz uma grande ilusão.
Não te ponhas lá tão alta
Que podes dar em baixeza
Tenho visto ruas mais altas
Ó, ai, em guardanapos de mesa.
Foste dizer mal de mim
Ao rapaz que me namora
Se ele muito bem me queria
Ó, ai, muito mais me quer agora.
Tu pensas que és mais do que eu
Ou serás menos ou mais
Ao deitar na sepultura
Ó, ai, todos seremos iguais.
Se algum mérito é reconhecido a esta coluna do Mosaico cultural ao longo do nosso encontro mensal de há quase duas décadas, tal deve-se à iniciativa de um bom amigo que nos deixou recentemente. No Verão do ano 2000, foi o Professor Joaquim Martins que me propôs o desafio de passar a colaborar mensalmente com uma coluna de opinião na nossa Gazeta do Interior. Digo nossa, porque ambos participámos no movimento fundacional liderado pelo jornalista Afonso Camões e, modestamente, subscrevemos acções do capital inicial da Gazeta. Aceite a proposta, não imaginei que tal participação a que dei o título de Mosaico cultural, se prolongasse por tantos anos, sempre com o apoio e o conselho amigo do Joaquim Martins. Em mais de quatro décadas, vivemos lado a lado muitos combates políticos e partilhámos acções cívicas e culturais em itenerários comuns de intenso diálogo e sincera cumplicidade. Por tudo e, também pelo Mosaico cultural, presto sentida homenagem e reconhecimento à sua generosidade, que tão bem soube conjugar e viver na pauta da amizade.