12 de junho de 2019

José Dias Pires
AS RUAS DO BAIRRO DO CASTELO

Apesar da natural degradação que tempo lhes ofereceu, as ruas do Bairro do Castelo têm histórias que o vento e a chuva por lá deixou (escrevo-lhe o nome em maiúsculas porque é o nosso bairro pai — a nossa pequena pátria mãe). As casas dos pais e avós têm traços e teias de aranha que ficaram depositados pelo tempo nos espaços dos quadros que guardavam os retratos nas paredes.
Nas soleiras das portas e nos parapeitos das janelas, alguns gatos solitários continuam a guardar o seu território. Nos arames dos estendais, as marcas ferrugentas das molas que seguravam os panos não se envergonham da nudez que, tantas vezes, as acompanha, porque de quem os estendia apenas a sua sombra mora. Por vezes, alguns pombos ainda por lá poisam à espera que uma das muito poucas romãs amadureça e abra o suficiente para que lá caiba o seu bico guloso.
No Bairro do Castelo, as ruas dos nossos pais e dos nossos avós, as nossas ruas, não estão cheias de gente nova, têm as ausências dos que lhes são importantes, sedes que não se saciam com oceanos e memórias para descobrir e registar entre a caliça caída das casas mal tratadas ou abandonadas e os buracos onde nasceram tubos verdes de plástico, já ninguém se lembra para quê.
Em alguns quintais das casas das ruas dos nossos pais e dos nossos avós, ainda há velhas figueiras, ameixeiras, romãzeiras que resistem, nos seus nós, às formigas que resistem ao tempo. Noutros, as silvas e as urtigas são donas e senhoras de um espaço que para nada e a ninguém serve e que bem poderia transformar-se em pequenos e médios parques de estacionamento de proximidade dos jovens que pudessem e quisessem morar num Bairro do Castelo tratado com atenção e cuidado.
Mas é fundamental que se entenda que um bairro tão antigo, tão ancião, tão ansioso por voltar a ser bairro, ganhe cara. Isto é, seja verdadeiramente bem tratado para além das pequenas ilhas de carinho municipal que em algumas ruas alguns panos de muralha e algumas casas têm merecido. Este bairro tão antigo, tão ancião, tão ansioso por voltar a ser bairro necessita ganhar corpo. Isto é: veja ver devolvidas às pedras medievais as paredes que o merecem e recuperados os estuques pós quinhentistas onde as pedras não sobrevivam ao ar.
Voltarão ao velho bairro os filhos dos que lá moraram? Desejarão o bairro novos filhos à procura das origens ou de uma oportunidade de morada? Quem sabe...
Nas cabeças, e nas vidas, dos nossos filhos, as suas ruas já nasceram fora das muralhas.
E todas começam com a palavra futuro porque nelas acabou a ditadura do tempo e porque o futuro não se perde nos dias cheios de caliça caída, de portas de madeira apodrecida, de canteiros de plástico verde que brotam do chão junto às portas sabe-se lá hoje para quê.
No Bairro do Castelo, as memórias e o futuro estão preservadas nos seus museus, nos seus espaços que projetam o que há de vir de modernidade até nós. Por isso muitos o visitam e se interrogam com a contradição entre o bem feito e recuperado e tanto que falta fazer para que nas ruas do bairro dos nossos pais e dos nossos avós, as nossas ruas e talvez as dos nossos filhos volte a morar, nos recantos das escadinhas e nos parapeitos de rua, a Eternidade Infantil que sabe que ser criança é aceitar o novo e desejar tudo o que é memória; aprender a existir nos espaços dos seus pais e avós, a ser amado por eles e a amá-los; aprender a pertencer a todos os lugares; ser aventura e desafio; ter vizinhos e saber-lhes os nomes e gostar de quem fala com os olhos, sem gritar; ser feliz com pouco; ser inventor, poeta e escritor antes das palavras; ser impaciente e apressado sem ligar ao tempo; poder adorar olhar, na rua, as nuvens de barriga para o ar e inventar o faz-de-conta; gostar do aconchego de um colo; colar o nariz nas janelas e desenhar nuvens para o céu azul; acreditar que há futuro.
Quando as ruas do Bairro do Castelo forem as ruas dos nossos filhos, dos filhos dos nunca lá moraram e dos filhos dos que o visitam para verem os museus ou a “cidade velha” — verdadeiramente medieval e quinhentista, isto é, recuperada — morará a Eternidade Infantil que sabe que ser criança é gostar do perfume quente da mão dos pais e amar o perfume fresco das mãos dos filhos quando vivem ou passeiam nas ruas de um bairro pai que é também uma pequena pátria mãe.

12/06/2019
 

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