Fernando Raposo
ISTO AINDA VAI TOMBAR PARA O MAR E LÁ SE VAI O PAÍS “P’RO CATANO”
Dos romanos que por cá andaram, ao tempo do Imperador César Augusto, ficou-nos esse “mau feitio” de todos querermos ser “presidentes de junta”. Por isso não é de estranhar que em cada um de nós habite um pequeno “salazarete”. É como se no nosso quintal “aterrasse” um raio divino e nos iluminasse, a nós e aos parentes que nos são mais próximos, de um saber transcendental, saber absoluto que aos outros, mesmo vivendo no mesmo bairro, lhes foi vedado.
E assim, ao longo dos tempos, ao jeito dos iluminados, o país lá se foi redesenhando. Poucas, muito raras vezes, por critérios inteligíveis (geográficos, económicos, culturais, etc).
Apesar de a nossa constituição acautelar a possibilidade da regionalização do país, cujo propósito mais nobre é o do seu desenvolvimento harmonioso e da consequente coesão nacional, aquela tem vindo a ser constantemente adiada.
Já vai longe o referendo sobre a criação das regiões, ao tempo em que António Guterres era primeiro ministro, cujo mapa foi consensualizado pelos Partidos Socialista, Comunista e Verdes, e que fora chumbado expressivamente (60,67 %).
O PSD de Marcelo Rebelo de Sousa e o CDS de Paulo Portas, anti-regionalistas, levaram a melhor.
De lá para cá, o país foi ficando cada vez mais desigual, acentuando-se ainda mais as assimetrias entre o litoral e o interior. A população tem vindo a concentrar-se, sobretudo, naquele pedaço de terra situado entre Setúbal e Viana do Castelo. Às vezes dou comigo a conversar com os meus botões: um dia, com tanto peso, aquele pedaço de terra ainda vai tombar para o mar e lá se vai o país “p’ro catano”.
Como referem Jorge Pinto e Patrícia Robalo, ali se concentra a “maior parte da riqueza, do investimento e das oportunidades” (Público, 13 de setembro de 2019).
O resto do país, que é muito, é quase todo o território, vai ficando, nas palavras genuínas do povo “ao Deus dará”, sem gente, e quando o calor aperta já não há ninguém, com força bastante, para barrar o caminho às labaredas em fúria que consomem vidas e bens, deixando apenas para trás um manto de cinza.
Apenas cinza e cheiro a terra queimada.
Depois daquele referendo, foram-se ensaiando, na maioria das vezes por tática eleitoralista e lógica partidária, outras formas de organização e associação de municípios, em substituição das regiões referendadas, para acomodarem a transferência de competências do Estado, excessivamente centralista, cuja característica, remonta, como referi atrás, ao tempo da passagem dos romanos por estas bandas.
Para além das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), em número de cinco, o país está rendilhado em duas áreas metropolitanas e vinte uma comunidades intermunicipais (CIM).
Não há fome que não dê em fartura.
O nosso distrito, Castelo Branco, foi repartido por três comunidades intermunicipais, ficando os concelhos de Belmonte, Covilhã e Fundão na CIM das Beiras e Serra da Estrela, os concelhos de Penamacor, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão, Proença-a-Nova, Oleiros e Castelo Branco constituem a CIM da Beira Baixa e os concelhos de Vila de Rei e Sertã integram a CIM do Médio Tejo.
Não se compreendendo as razões que levaram à desintegração do nosso território, com uma identidade própria fundada, grosso modo, nas suas características naturais e humanas, menos se compreende ainda em que medida as suas competências se traduzem na resolução dos problemas que são transversais aos concelhos que as constituem e quais os ganhos de eficiência.
Tenho para mim que as entidades intermunicipais não são mais do que um instrumento para captar fundos para engrossar apenas os orçamentos de cada um dos municípios que as integram e pouco mais.
À falta da Regionalização, seria importante que, por razões de identidade e escala, as comunidades intermunicipais correspondessem, no mínimo, a um distrito ou mais, fossem entendidas como instituições supramunicipais, com competências, orçamento e autonomia próprias, implicando a participação dos cidadãos nos processos de legitimação dos seus órgãos e no escrutínio das suas decisões.
Este seria um primeiro passo no sentido da transformação do interior do país, de modo a assegurar que o futuro daqueles que aqui decidiram, ou venham a decidir, construir os seus projetos de vida, seja mais promissor.