Maria de Lurdes Gouveia Barata
AS PALAVRAS ENGANOSAS
As palavras têm poder e um poder que pode servir o bem ou o mal. Desempenham assim uma função de comunicar, informando, apelando, denunciando, exprimindo; ou uma função de engano e aleivosia, manipulando ou deturpando a verdade. E lá caímos no campo da verdade dos factos. Facto, com origem latina em factum, significa coisa feita, acção realizada – um acontecimento. O que já aconteceu não pode ser desfeito. Sempre apregoei que contra factos não há argumentos, porque o facto tem existência.
Porém, reflectindo sobre a experiência, pode haver argumentos a corroborar o que está realizado ou a tentar deturpar o que é a realidade. Os factos podem ser comentados com fidelidade ou com a conveniência de interesses obscuros. Por exemplo: aquele não quer sair a título nenhum daquele lugar (emitindo falsos motivos para a crítica) e o interesse maldoso é eu é que devo estar naquele lugar. A distorção de um facto usa o poder das palavras como um instrumento estratégico para confundir e enganar. Normalmente deita semente nos menos informados ou naqueles que colaboram cegamente com o que vem dum clube ou dum partido. O uso de falácias é, infelizmente, muito comum nos políticos, em alguns políticos, que utilizam as falsas promessas, os discursos demagógicos, com a finalidade de confundir e chegar ao poder que ambicionam. Fazem declarações através de raciocínios de teor falso, mas que tentam passar por verdadeiro – assim nascem as falácias. Apela-se aos desejos e às emoções, usando-os para manipular, não tendo argumentos coerentes e objectivos. Usam também o medo, a inveja, o ódio, a vaidade. Os discursos tornam-se frívolos e vazios, mas os enganados só se dão conta mais tarde. As palavras enganosas inserem a marca positiva, as acções têm a marca negativa e por isso a descrença nos políticos aumenta, apanhando também aqueles que querem trabalhar ao serviço das comunidades. Transcrevo de Luigi Pirandello: «Como podemos entender-nos (...), se nas palavras que digo coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram dentro de mim; enquanto quem as escuta inevitavelmente as assume com o sentido e o valor que têm para si».
A palavra pode, assim, ser arma de destruição de alguém, tornando-se simultaneamente arremesso de cobardia. Sabemos das intrigas de cortes reais, das intrigas eivadas de más intenções que minam a sociedade – e é a palavra que as sustenta. Deseja-se que a palavra sustente também a denúncia das mentiras e seja meio de repor a verdade. Todavia, a palavra pode também ser arma de luta pelo bem, como o da liberdade, o do amor, o da solidariedade. Invoco, agora, as palavras que foram arma e afronta de repressões, palavras de filósofos, de escritores, de poetas. A palavra pode ser incentivo e consolo, como disse Madre Teresa de Calcutá: «As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável».
Muito mais se podia dizer sobre o poder verbal, mas não resisto a uma outra referência. Passo a uma apresentação da autoria de Donald Trump: «Vejo que o desinfectante mata [o vírus] num minuto. Um minuto. Existe alguma forma de conseguirmos fazer isso, por exemplo através de uma injecção ou uma espécie de limpeza?» (…) No que diz respeito ao enfraquecimento do vírus depois de uma exposição à luz solar, o líder norte-americano disse: «Suponhamos que atingimos o corpo com uma tremenda luz, quer seja ultravioleta quer seja apenas uma luz muito poderosa (…), suponhamos que se leva a luz para dentro do corpo, o que podemos fazer através da pele ou de outra forma». (…) «Acho que disseram que iam testar essa hipótese». Aqui estão as palavras perigosas de um ignorante cheio da jactância habitual. A ignorância e a mediocridade são sempre malefício para consequências prejudiciais. Donald Trump corta o financiamento à OMS – os outros é que têm a culpa de tudo o que corre mal. Ao seu nível estará Bolsonaro – ambos traem o povo e ambos mentem. Ambos utilizam palavras enganosas…