Celinha
AGORA QUE VAMOS DE FÉRIAS
Cá em casa deu-lhes para falar da escola que aí vem no próximo ano letivo.
Na minha família desde que a covid19 levou à invenção da escola em casa têm acontecido uns debates muito engraçados sobre o que por cá se pensa quanto à escola que aí vem no próximo ano letivo.
O meu pai que anda muito preocupado com a falta de competitividade de Portugal em relação aos outros países por causa do turismo e do número de infetados com o “maldito bicho” como lhe chama o meu avô acha que a culpa é da escola porque para ele a sociedade cada vez mais se entende num ciclo repetido de competições e se as competições são hoje a natureza da maior parte dos desejos humanos e se o homem faz da sua própria ultrapassagem a principal dimensão da sua escola ele acha que tem toda a lógica que se faça corresponder a escola do próximo ano a isto tudo já que este ano não foi. E assim ele defende que se devem transformar as escolas em grandes espaços comerciais tipo jumbo ou continente ou assim onde os clientes sejam ao mesmo tempo os produtos. Eu devo ter feito cara de burra a olhar para um palácio e ele explicou: «Ó Celinha é como se tu passasses a ser a vendedora e a compradora de ti própria!» «Eu?!» «Sim filha a escola deve transformar-se num daqueles hipermercados onde as pessoas se perdem e depois compram o que não querem e deixam por comprar o que mais precisam mas ao menos divertem-se e os professores andam aperaltados e engravatados a tomar notas e as professoras usam mini saias muito interessantes e sempre a sorrir divulgam as promoções do leva um e paga dois.»
Não compreendi nada.
O meu irmão para se armar em esperto e aumentar ainda mais a minha confusão acrescentou: «Os professores e professoras das escolas hipermercados terão apenas o estatuto de visitantes para que seja possível em qualquer altura a central de compras que é o ministério da educação poder desejar modernizar-se de vez e comprar professores robôs que ensinam e não bufam.» «Não bufam?» «Sim não bufam porque não protestam e também porque não comem feijões ah ah ah ah ah!. E sabem que mais? Eu acho que nas novas escolas hipermercados devem montar uma rede informática que tenha a capacidade de renovar os stocks.» «E isso é o quê?» «Então Celinha não estás a perceber?» «Patavina!» «Ora por cada aluno a si próprio vendido é garantida a imediata reposição de um novo.»
Ainda fiquei a compreender menos.
A Minha mãe também quis ajudar à festa e disse: «Concordo. É lógico que se transforme a escola num grande armazém com ar condicionado claro onde as criancinhas estacionem pelo menos oito horas por dia com direito a substituição permanente dos seus amantíssimos pais por histórias e lengalengas que se não forem eficazes de certeza serão um bom entretém. Depois vestem-se os auxiliares administrativos de fato de trabalho para que com o rigor que a farda exige as arrumem normalizadamente em pequenos grupos de no mínimo trinta alunos. Desta forma vai poder ter-se a certeza que se aumenta a segurança e a produção.» «Como mãe?» «Ora como. Na segurança quem vigia um vigia trinta e na produção trinta gestos iguais valem mais que mil palavras diferentes.»
Pronto acho que cá em casa já se fala como o ministro de educação. Não interessa se eu os meus amigos e os sindicatos compreendemos ou não. Afinal não somos para aqui chamados.