Edição nº 1661 - 21 de outubro de 2020

Maria de Lurdes Gouveia Barata
MENTIRAS & COMPANHIA

Numa das histórias de todas as gerações de infância – Pedro e o Lobo – o pequeno pastor Pedro pedia socorro porque um lobo se aproximava das ovelhas e todos corriam para ajudar, abandonando o trabalho. Encontravam-no sem lobo à vista, rindo- -se divertidíssimo, pela partidinha que pregara para seu divertimento. Repetiu duas ou três vezes a graça e houve solidariedade demonstrada, mas a graça só ele a descobria para si próprio… Porém, um dia, aproximava-se mesmo o lobo, ele gritou por socorro, o lobo aproximou-se mais, o lobo atacou as ovelhas com o Pedro sempre a gritar desesperadamente e não apareceu ninguém, pois na partida nunca mais iam cair… Li e ouvi várias vezes esta história (e é provável que tenha acontecido com a maioria das pessoas). E trazia a moralidade: quem mente acaba por sofrer más consequências. E fixei desde miúda uma quadra, também conhecida, não sei se na altura que me encontrei com a história: Coitado do mentiroso, / mente uma vez mente sempre. / Ainda que fale verdade, / todos lhe dizem que mente!
Se tudo se passasse como na história do pastor, ficaríamos pelo castigo a recair naquele que mente, mesmo que houvesse alguma perturbação no trabalho de outros, o que não deixaria de ser castigo para quem não tinha a culpa. No entanto, há o mentiroso que tem mau carácter, que planeia, não tendo intenção de brincadeira de mau gosto, mas sim de prejudicar, de ferir, de lançar confusão para destruir, com desígnios obscuros que podem esconder raivas, invejas ou finalidades de benefícios para si mesmo. Frequentemente a inveja morde o mentiroso, vem duma ganância por matéria ou por um estado importante mais alto, ansiando por poder, que não passa de um poderzinho do qual nem percebe a pequenez. A inveja desassossega o espírito: segreda-se uma suspeição, começa a correr a mentira, logo acolhida em espíritos invejosos, prontos sempre em acreditar no que é mau para alguém, sempre os que têm o gosto pela má-língua, e corre a mentira e repete-se a mentira, de boca para boca deformada, acrescentando um ponto e mais um à história do princípio, vestindo-se de verdade, e os incendiários desta floresta transformam-na numa fogueira enorme e incontrolável, queimando bens e destruindo vidas. Dizia o Padre António Vieira: «para não mentir, não é necessário ser santo, basta ser honrado, porque não há coisa mais afrontosa, nem que maior horror faça a quem tem honra, que o mentir».
Segundo tem sido divulgado, estamos num mundo de falsas notícias (ou fake news, que deve ser melhor entendido em português…), sempre com a maldade por detrás, com objectivos que as tornam arma traidora de combate, manuseadas pelo mau carácter, pelos invejosos, pelos traidores que não olham a meios para atingir fins, pelos sádicos que se comprazem no sofrimento alheio e por se sentirem melhor deitando abaixo um outro. Os hipócritas e os boateiros são filiados da mentira. O processo cresceu tanto, que já temos programas como o Polígrafo (programa de segunda-feira na SIC) para explicitar o verdadeiro, o falso e os que precisam de pimenta na língua. Aparecem vídeos com fotos focadas de certos ângulos para apelidar de multidão um punhado de pessoas. Quando se chega a certos períodos, as coisas pioram, por grandes interesses envolvidos. Já no século XIX, Otto Bismarck dizia: «Nunca se mente tanto como em véspera de eleições, durante a guerra e depois da caça». As duas primeiras circunstâncias são as de maior perigo, a mentira depois da caça é uma gabarolice apenas, penso eu. A época de eleições desperta desconfianças perante algumas promessas, porque os eleitores adquiriram um saber de experiência feito. Na guerra é o que se sabe…
Quando a mentira se torna arma na mão de governantes, temos o caldo entornado, como se diz familiarmente. Temos agora muitos casos activos no mundo e dou um exemplo, cuja escolha talvez me torne o pensamento tendencioso: Donald Trump. Chegaria a efeito humorístico, se encontrar humor num governante de tanta responsabilidade não fosse criticável. O Washington Post afirmou que Trump diz mentiras a um ritmo alucinante e que, só nos primeiros nove meses enquanto Presidente, Trump já tinha dito 1329 mentiras ou afirmações incorrectas. E até se tem controlado o número de mentiras por dia… A crispação do recente debate Trump-Biden e o insulto levaram ao já conhecido auto-elogio de Trump, «fez um trabalho fenomenal na pandemia», acusando-o Biden de mentir, chegando a designá-lo de «palhaço». O espectáculo foi deplorável, mas não é que eu gostei da designação de palhaço?!
Não vou enumerar mentiras graves, bastante graves algumas, mas vou finalizar
dizendo que a mentira tem um séquito de pessoas más, sem consciência, sem palavra, manipuladoras, invejosas, irresponsáveis e cruéis. Incapazes de se colocarem no lugar do outro.

21/10/2020
 

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