Edição nº 1668 - 9 de dezembro de 2020

José Dias Pires
COMUNGAR NO ÓDIO E DESPREZAR O CONFRONTO FUNDAMENTADO DE IDEIAS E IDEAIS: É ISTO A “NOVA POLÍTICA”?

“Há três espécies de cérebros: os que entendem por si próprios; os que discernem o que os primeiros entendem; e os que não entendem nem por si próprios nem pelos outros. Os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis.” - Nicolau Maquiavel
Falemos dos terceiros.
Eles sabiam que todos sabiam que, assim como o corpo, em condições normais, necessita de se revestir de roupagens, na “nova política” o espírito necessita de se embrulhar em não verdades a que, por simpatia, alguns designam de imaginação reprodutora e outros sabem tratar-se de ignorância ativa.
Na “nova política”, as falas, os gestos, os trejeitos nunca correspondem verdadeiramente aos pensamentos, logo, quem consegue, de imediato, antecipar o antónimo, adivinhará a verdadeira mentalidade do interlocutor.
Eles sabiam que todos fingiam saber que na “nova política” cada um só é, por inteiro, ele mesmo, apenas durante o tempo em que está sozinho. Daí a asserção de que quem não ama a solidão, também não ama a liberdade: na verdade, apenas a solidão os torna verdadeiramente livres.
Tudo o resto é troca de papéis entre seres heterogéneos, geradora de um efeito adverso e incómodo em que o roubo do “eu”, que pertence ao outro, nada oferece em troca.
Eles gostavam da fauna e da flora, e excluíam de ambas tudo o que tivesse resquícios de humanidade porque sabiam, quase por instinto, que a natureza estabelece entre os homens as mais acentuadas diferenças no que à moral e ao intelecto diz respeito. A sociedade, sem se preocupar com isso, iguala todos os seres ou, melhor dizendo, promove a diversidade e as diferenças em patamares artificiais de classe e posição que, quase sempre, são diametralmente opostos à escala hierárquica estabelecida pela natureza.
Eles sabiam que, no meio de isto tudo, há qualquer coisa que não bate certo! Era a ordem que não batia certo. A ordem natural das coisas, que não era o ciclo da vida: nascer, crescer e morrer; nem o ciclo do dia: manhã, tarde e noite; ou o ciclo do poder: mandar, obedecer, amouchar. Não, referiam-se ao ciclo da política, à dialética que, no seu caso e na maior parte das vezes, não passa de conversa fiada.
Sim, porque eles sabiam, ou tinham ouvido dizer, que na guerra só os espertos sabem fugir das balas e que por isso essa questão da ordem natural das coisas seria: se na política o que interessa são os valores e as convicções, e ambos são sustentados por uma ideologia e um programa, na verdade agora já não importa muito essa questão da militância. Os independentes são, por assim dizer, bem mais apetecidos hoje, já que representam uma alternativa sempre à mão, principalmente quando estão ali mesmo ao pé, não é?, e aí mesmo é que está o busílis: valores, convicções, ideologia, carreira política e, finalmente, a posição (esta tem de ser digna, estável, merecida, quiçá pela competência ou assim) e, depois, um lugar, um assento, uma cadeira. Contudo, na “nova política”, tudo está ao contrário: primeiro o lugar, a cadeira, depois a carreira e no fim pensar nos valores e nas convicções, ou então nos interesses dos figurões e dos figurantes e muito pouco na ideologia!
Eles sabiam que a “nova política” era, antes de mais, o paraíso das palavras e uma das melhores aproximações à prática desportiva. Enfim, um jogo onde quem quer ser feliz tem de possuir “aquela cadeira”.
Por isso, na “nova política”, um homem que nunca alimentou a aspiração a certos bens, não sente a sua falta e fica satisfeito sem eles, mas não passa de uma minhoca. E eles? Preferirão ser homens ou minhocas? Pescadores ou engodos? Importa saber que a riqueza é como a água do mar: quanto mais se bebe, mais a sede cresce. E o mesmo é válido para a glória e a desgraça. A glória traz conforto e gente sempre disposta a obedecer; mas a desgraça, a desgraçada da desgraça, é muito dolorosa. Quando ataca, é pior que o reumatismo: é uma ferida que em vez de sarar não para de crescer, alarga. O melhor mesmo era irem-se à cadeira. Na sua posse residirá a felicidade, a alegria. E qualquer delas são como os pirilampos: duram apenas até ao nascer do sol, depois apagam-se.
Olhavam, embevecidos, para o poder, o malvado poder que tem a ignóbil inclinação e o mau hábito de submeter, em segredo, o comportamento dos outros; que molda a justiça para a encaixar no seu orgulho, na sua vaidade e assim evitar a censura e o rigor.
Porque temem não passar de pobres diabos dotados de algum talento para a ignorância e capazes de se fingirem preparados para o serviço público, tudo fazem para parecer grandes pequenos ou gigantes menores: estão convencidos que conseguem compenetrar-se, de forma completa e aprofundada, da sua insignificância, da sua ausência de valores, com sorrisos de mendigos bafejados pela verdade oculta dos que nunca se lamentam e se habituaram a caminhar de cabeça baixa, medíocre e servil, e por isso tentam ser recalcitrantes, desconfiados, enfim, uns patifes desprezíveis mas donos de uma cadeira ganha à custa da “nova política”, o mesmo é dizer: através do comunhão de ódios e do desprezo pelo confronto fundamentado de ideias e ideais.

09/12/2020
 

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