Edição nº 1677 - 10 de fevereiro de 2021

Antonieta Garcia
TALEIGOS MEIGOS

Olha aquela rapariga com o taleigo à cabeça! Olha que coisa mais linda / Mais cheia de graça… (como queria Vinicius de Morais). Vá lá perceber-se a habilidade com que as moças moldavam o taleigo descaindo um pouco para a testa, um tanto mais inclinado para os lados… ajustadinho, em jeito de não cair! Os braços estavam ocupados com filhos e ela, melhor do que qualquer manequim de moda, desenvolta e de cabeça ereta, desfilava pelos caminhos com graciosidade invejável. Ah, se ela soubesse /Que quando ela passa / O mundo sorrindo se enche de graça / E fica mais lindo por causa do amor…
Tinha lá tempo para pensar nisso! Nem via que a olhavam! Aguentam tanto os taleigos! De homens e de mulheres! Alguns carregam dores tamanhas de despedida, na alma… Cheios e pendurados aos ombros, desvelam trabalhos dobrados, e as mulheres envelhecem, encurvam, antes do tempo, como ramos secos de árvores… Esses taleigos não consentem outro passo que não seja o estugado, que a pressa está sempre presente nas vidas curtas de horas para satisfazer isto e aquilo… Mas também têm histórias raras, de meiguice, para contar
Há quatro décadas, que outro transporte para a roupa, o pão, as batatas, fruta, a merenda? Em tecido mais leve, mais forte, mais ou menos colorido, e o saber de quem costurava, cumpriam os gostos de cada um.
Que lindos que eram os dos enxovais das noivas! Escolhiam os branquitos, bordando a palavra: Pão… Para “temas” mais banais, a preocupação era menor; para os que guardavam as molas da roupa, qualquer farrapo servia…
E os soldados usavam-nos para levar, para o quartel, a despensa de carinhos da casa (queijo, enchidos…); alguns eram prendas das namoradas. ... Mesmo em espaços tristonhos, vi-as tecer corações e versos de amor… Taleigos meigos e de arte pura, eram os da minha Beira.
No tempo da emigração, foram sendo substituídos por malas de cartão, que a roupa chegava mais ajustadinha. Não dispensavam os taleigos para viagens de outros produtos que as saudades futuras ensinavam… E os olhos abriram-se a estes sacos; conquistaram um lugar invejável. Depois do batismo recebido em inglês – Patchwork – foram adotados por criadores no mundo. Ou seja, quando estavam à beira do esquecimento, mesmo que nunca tenham desaparecido totalmente, os taleigos puxaram dos seus galões e engalanaram-se. Na emigração aprenderam a luz que lhes faltava na aldeia. Continuam forradinhos de textos afetuosos e costuras sábias. Construídos com sobras de tecidos que se associam pelas cores, texturas, desenhos, encantam os olhos de cada um. Vendem-se em lojas da especialidade, que das mãos de fada antigas poucas restam. E nem o conforto de outros acessórios ganhou aos taleigos meigos. Que os há!
Eu tenho um, onde guardei tudo. Até cartas de juventude. E uma pedrinha em forma de coração apanhada na praia com o namorado. E uma concha perfeita que o meu neto me deu: Esta prenda é para ti, avó! E outras com figuras que o mar e o vento desenharam. Entre elas, há uma maternidade que talvez um escultor assinasse. Ao lado, há contas de restaurantes com datas marcadas, desenhos e mensagens do Dia da Mãe, arte dos meus filhos… tudo metido em taleigo meigo capaz de morrer de amor.
- Ó Mãe para que guardas isto?
Nem eu sei! Arrecadei-o ao canto da arca. E quando abro o meu taleigo meigo desperto e vivo memórias que encantaram a minha vida! Saudosa sempre canto:
“Tenho um saco de cantigas,
E mais uma taleigada:
O saco é p’ra esta noite,
Taleiga p’ra madrugada.

10/02/2021
 

Em Agenda

 
07/03 a 31/05
Memórias e Vivências do SentirMuseu Municipal de Penamacor
12/04 a 24/05
Florestas entre TraçosGaleria Castra Leuca Arte Contemporânea, Castelo Branco
14/04 a 31/05
Profissões de todos os temposJunta de Freguesia de Oleiros Amieira
02/05
Obrigado senhor ZéTeatro Estúdio São Veiga, Idanha-a-Nova
tituloNoticia
03/05
Canta LiberdadeCasa da Cultura da Sertã

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video