Edição nº 1688 - 28 de abril de 2021

Elsa Ligeiro
CARLOS DE OLIVEIRA E MARIA JUDITE DE CARVALHO

É uma atitude cívica e literária comemorar o centenário do nascimento de Carlos de Oliveira, um autor que superou a estética do neo-realismo deixando-nos uma obra poética solidária e densa; e uma prosa liberta do artifício, mas que, em cada frase, segue o seu propósito de fixar gente que faz um país.
A Gândara continua a ser ainda hoje um território de Carlos de Oliveira, que ele soube com engenho e arte transformar em narrativas literárias que perdurarão ainda por alguns séculos mais. “Casa na Duna”, que pública em 1943, em Coimbra, com apenas 22 anos, já é um romance social; onde a comunidade está bem fragmentada entre os donos da terra e os trabalhadores; e essa saúde pública com acidentes de trabalho que deixam marcas e uma marginalidade para a vida toda.
“Uma Abelha na Chuva” acentua o retrato de decadência de uma família de proprietários rurais; num país que custa a desenvolver-se, e onde emergem paixões secretas e casamentos vividos por interesse.
Mas é na poesia que Carlos de Oliveira trabalha meticulosamente, verso a verso, refazendo e criando o canto da terra e do homem que se quer novo, mas, já urbano, continuará como um operário em construção. Ou como ele nos descreve, em contínuo ato de revolução, sem se afastar do épico que é o lugar comum e que Carlos de Oliveira fixa no último poema do livro “Terra de Harmonia”; que transcrevo na íntegra porque é um hino à humanidade e não se pode fragmentar:
“Escrevo na madrugada as últimas palavras deste livro: e tenho o coração tranquilo, sei que a alegria se reconstrói e continua.
Acordam pouco a pouco os construtores terrenos, gente que desperta no rumor das casas, forças surgindo da terra inesgotável, crianças que passam ao ar livre gargalhando.
Como um rio lento e irrevogável, a humanidade está na rua.
E a harmonia, que se desprende dos seus olhos densos ao encontro da luz, parece de repente uma ave de fogo.”
Uma elegia aos construtores terrenos que constroem e reconstroem, infinitamente; deixando o poeta de coração tranquilo.
Maria Judite de Carvalho que nasceu também em 1921 pertence a outra Literatura; subtil, feminina, delicada, um retrato da pequena burguesia que se aguenta na penumbra. Nada de histórias carregadas de paixão ou de sonhos e lutas.
A obra de Maria Judite de Carvalho não serve para fazer uma revolução. Fica para sempre numa partilha da vida que se esconde para lá das aparências, num silêncio feminino e apurado com o qual constrói toda a sua mensagem; do teatro “Paisagem sem Barcos”, que leio numa edição da coleção “Cena Atual”, do Jornal do Fundão; ao conto, novela, romance e crónica, que a editora Minotauro (Almedina) edita com apuro e sensibilidade; uma obra que nos alerta como uma filigrana precisa, que nos dirige o olhar para o que é essencial e nos alerta para o que nunca devemos deixar morrer.
Em Alcains, no dia 18 de setembro, data de nascimento de Maria Judite de Carvalho, a atriz albicastrense Filipa Costa vai dar voz a um pequeno e simbólico texto da autora.
Um texto curtíssimo e enigmático, cheio de mensagens sobre a passagem do tempo e dos segredos que não se descobrem por pudor ou por manifesta indisponibilidade em os receber.
“O Tesouro” pode estar ao nosso lado, mas não é reconhecível devido à poluição que nos cerca as vidas. Preferimos acreditar que o essencial é o comum, o que todos sabem: duas ou três regras que somos obrigados a seguir (a família será sempre o baluarte dessa primeira instrução).
Há neste pequeno texto toda a subtileza da verdadeira tragédia (vivida em silêncio) que Maria Judite de Carvalho nunca se cansou de escrever: vivemos encobertos pelo pó da inércia e não damos pelo que está na sombra, pelo que está presente, mas não visível; demitimo-nos ano após ano (e muito lentamente) de uma apurada sensibilidade para a vida.
E a morte chegará um dia, naturalmente, depois de longa espera. Como uma incorrigível e esperada consequência.

28/04/2021
 

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