Lopes Marcelo
FILHOS DO TEJO
Se recuarmos algumas dezenas de milhares de anos, todos nós somos filhos do espaço geográfico de referência histórica que é o Rio Tejo e a sua zona envolvente centrada nas Portas de Ródão, terras entre rios, com as bacias dos afluentes Ponsul e Ocreza. De facto, é muito relevante a importância do Tejo na história humana, dentro da Pré-história, destacando-se o Paleolítico, caracterizado por uma economia de recolecção, caça e pesca.
O Homem de Neandertal desapareceu há cerca de 30.000 anos na Península Ibérica, onde viveu durante mais cinco mil anos do que no resto da Europa. Em Portugal, foi na Estação Arqueológica da Foz do Enxarrique (estuário do Tejo em Vila Velha de Ródão), que se recolheram utensílios e vestígios valiosos e únicos da cultura daquele tempo. Suportado em tais recolhas, o investigador arqueólogo Luís Raposo sustentou a tese de que foi aqui, no território que é hoje o centro de Portugal, que o homem de Neandertal viveu até mais tarde. Do ponto de vista arqueológico, impõe-se a referência a três estações na zona de Vila Velha de Ródão: i) a estação do Monte do Famaco do Paleolítico Inferior (250.000 anos); ii) a estação da Foz do Enxarrique do Paleolítico médio (entre 100.000 e 50.000 anos) e iii) a estação de Vilas Ruivas igualmente do Paleolítico médio.
No último fim-de-semana do passado mês de Maio, celebraram-se quarenta anos sobre a transposição do solo de habitat paleolítico de Vilas Ruivas para o Museu Tavares Proença Júnior. De facto, entre 1975 e 1979, foram desenvolvidas escavações que permitiram identificar:
- dois arcos marcados no terreno quer pela justaposição e sobreposição de blocos de pedras grandes e médios;
- três lareiras-calorífero, constituídas por coroas de blocos e interiores preenchidos por pedras pequenas destinadas a conservar o calor com fins culinários ou de aquecimento da habitação,
-vários blocos violentamente estalados pelo fogo;
-a distribuição espacial dos artefactos concentrava-se junto das lareiras e a existência de núcleos e de lascas junto de um grande bloco achatado, aponta para um local de talhe localizado dentro da habitação.
Em face da importância e raridade dos elementos postos a descoberto, colocou-se a necessidade da sua preservação, o que impunha a rigorosa moldagem e transposição de toda a informação para museu. E tratou-se de um delicado desafio que a equipa das escavações, dirigida pelos arqueólogos Luís Raposo, António Carlos Silva e João Zilhão, realizou com sucesso contando com a grande colaboração do director do museu Tavares Proença júnior, Dr. António Salvado, bem como a dedicação dos trabalhadores do Museu. Ficou, assim, salvaguardada uma parcela de valor inestimável da nossa identidade territorial histórica, que continua a poder ser revisitada, constituindo uma das componentes que reforçou a matriz arqueológica fundacional do Museu Francisco Tavares Proença Júnior, bem como a sua incontornável representatividade territorial de âmbito regional.
Só com uma perspectiva muito ampla do tempo se pode entender a plenitude do humano no longo arco de progresso e civilização. Cinco décadas depois, volto às palavras do arqueólogo Luís Raposo, agora ilustre dirigente e representante de várias gerações de investigadores e divulgadores do nosso património cultural a nível nacional e internacional: “… De Ródão guardamos a memória do diálogo com o passado que só encontra equivalente na majestade da paisagem que o encerra…Do sentir vivo de homens e animais, à conservação surda da sua imagem nos milhares de motivos artísticos que flanqueiam as margens do “grande rio”…Tudo em Ródão nos faz esquecer as fronteiras entre passado e presente, Homem e Natureza, próximo e distante. Terra, que melhor nos fez descobrir as raízes. E, em toda a plenitude de uma aprendizagem constante, sermos um pouco mais humanos.”

(Reconstituição do acampamento neandertalense de Vilas Ruivas – 1981: por Álvaro Almeida)