Elsa Ligeiro
A NOVA OPORTUNIDADE DA LEITURA
Tempo de férias é também uma oportunidade de Leitura.
E é importante escolher bem o seu livro para levar para as suas férias. Não utilizo o plural porque quem tem mais olhos que barriga acaba por sentir a frustração de carregar livros para a casa de praia ou de montanha e regressar com eles por abrir ou com o marcador na página 33.
Sejamos realistas, e, antes de embarcar em aventuras, pense que os livros terão que lutar contra outros prazeres de Verão: as caminhadas, os mergulhos, para não falar nos petiscos e nas esplanadas; enfim, tudo aquilo de que gosta muito e não se dá ao luxo durante o ano de trabalho; e não teve oportunidade durante o recolhimento obrigatório.
Assim, siga o meu conselho e opte por levar apenas um livro para férias. Mas a escolha tem que ser criteriosa, e para que não perca o seu precioso tempo aqui ficam duas sugestões para que entre uma ou outra leve uma autora de qualidade como sua companhia este Verão.
A primeira sugestão é o novo livro de Maria Manuel Viana: As Evidências Nocturnas (Editora Teodolito).
A autora tem-se dedicado de corpo e alma à tradução; e, desde 2014 que não publicava um livro a solo. Mas eis que surge em abril, neste ano de 2021 que continua a ser o ano de muitos perigos, um livro que seguindo o seu habitual discurso amoroso (fortemente intertextual), está povoado de uma realidade que nos é próxima.
A pandemia está presente assim como a interminável guerra na Síria.
Maria Manuel Viana enquanto autora tem a capacidade de recriar o mundo; numa espécie de comentário que podíamos classificar de internacional, palavra que deixou de fazer qualquer sentido, pois, no mundo global que nos cabe ocupar habitamos o planeta todo sem a consciência precisa de um lugar ou de uma geografia.
Vivemos da mesma forma no Oriente como no Ocidente, e os fundamentalismos nascem para acentuar as diferenças.
Não somos todos iguais parece ser hoje (não sem ironia) uma bandeira de liberdade.
Assisti ao nascimento deste livro, que como a autora refere numa nota final, nasceu numa rede social com as “Notícias do # quarenteno”, criada por dois amigos de Coimbra, como resistência ao tempo da pandemia global, em 2020.
E é Maria Manuel Viana que sintetiza o argumento “é a história de uma mulher que tem de se reconstruir a partir de ruínas e de fragmentos, de memórias e imagens insuportáveis”. Um pouco como todos nós, afinal.
O segundo livro que vos proponho é de Teolinda Gersão, com um título deveras curioso e enigmático: O regresso de Júlia Mann a Paraty (Porto Editora).
Três novelas que se entrecruzam, a que Teolinda Gersão dá vida com a notável capacidade que tem de aproximar-nos do interior de homens e mulheres que influenciam a História
Júlia Mann é a mãe de Thomas Mann, Prémio Nobel da Literatura em 1929, um dos grandes escritores da Alemanha que teve que abandonar durante a guerra.
Autor de “A Montanha Mágica”, “Doutor Fausto” ou de “Morte em Veneza” que Visconti filmou como se de um ensaio sobre o desejo se tratasse, em 1971.
A mãe de Mann, Júlia da Silva Brunn, nasceu no Brasil, em Paraty, em agosto de 1851.
Teolinda Gersão junta três novelas: a primeira com o título esclarecedor de “Freud pensando em Thomas Mann em dezembro de 1938”; a segunda, com o título: “Thomas Mann pensando em Freud em dezembro de 1930”; e a terceira, a que dá título ao livro “O regresso de Júlia Mann a Paraty”.
Num belíssimo registo sobre a condição feminina, o racismo e esse Brasil como território de culturas e país de acolhimento a todos os credos e belezas; em contraste com uma Alemanha metódica, cerebral e ascética.
Mas a escrita de Teolinda Gersão não prescinde da poesia dos elementos para contar uma boa história; e muito menos de uma ética humanista para separar as águas; e aprofundar as raízes de todos os totalitarismos. E esse é um elemento que lhe devemos também agradecer.
Como mediadora da Leitura destes dois livros, apenas posso testemunhar que escolhendo um ou outro levarão para férias uma boa companhia; e para os que têm dúvidas e medo de se enganar; tenho uma solução: levem os dois livros.
Quem é que não apreciará passar férias com duas mulheres extraordinárias na escrita de Maria Manuel Viana e Teolinda Gersão?