Edição nº 1708 - 22 de setembro de 2021

Elsa Ligeiro
ANIMAIS DE CRIAÇÃO

Há três semanas, uma cliente à minha frente na caixa de um hipermercado, em Coimbra, pagava meia dúzia de latas de comida gourmet para gato; compra que fazia em exclusivo e que guardou numa mala de senhora, das que se prendem ao ombro.
Notei que o valor da compra era muito superior ao meu gasto da semana com a alimentação. E não consegui evitar o julgamento ao pensar na existência de um (pelo menos um) animal doméstico com melhor trato alimentar que o de uma editora em Portugal.
E assim que tive oportunidade dediquei parte do meu tempo a uma pequena pesquisa sobre o peso dos animais domésticos na sociedade que construímos; em que gradualmente profissionalizámos a matança dos animais, e em contrapartida estimulamos que o nosso domicílio, quase sempre em prédios, sirva para a criação de outros animais.
Criar e matar animais para consumo doméstico era, há apenas uma ou duas décadas, parte relevante da economia familiar que procurava a sustentabilidade no quintal ou em terrenos herdados de pais ou avós.
O galinheiro, onde além dos ovos se recolhia sempre que era preciso recuperar e dar ânimo a um doente, uma galinha para a canja; ou o coelho, que vivia e se reproduzia em gaiolas, salvando a dona da casa na ocasião de alguma visita inesperada.
Para não falar na festa comunitária anual da “matação”, em que o animal que aproveitava durante meses os restos de hortaliças e se alimentava a farelos servia para alimento de uma família inteira durante alguns meses; um só corpo que bem aproveitado e distribuído por chouriços, farinheiras, morcelas e presuntos, dava para quase todo o ano.
Hoje, as matações familiares estão proibidas e a dos coelhos e das galinhas em vias de desapareceram; penso que para não fazerem concorrência aos matadouros profissionais; embora a desculpa oficial seja a de salvar a população de alimentos não certificados pelo veterinário.
É o fim dos animais de criação, a que alguns tradicionalistas ainda dão espaço e liberdade nas suas quintas, com galinhas, patos e cordeiros; para os festins da Páscoa e do Natal.
O que cresce à vista de toda a gente é a economia de quem se dedica à comercialização de animais de companhia e estimação.
Não há Centro Comercial que se preze sem uma boa Loja de Animais; onde se vendem a preço de ouro, conforme a raça, a beleza e o pêlo.
E não há hipermercado por mais reduzida que seja a oferta, sem um bom corredor de comida para animais de estimação; que incluem as tais latinhas de refeição unigato ou unicão gourmet, de alimento húmido (diz o rótulo); com preço proibitivo a uma editora de livros de Poesia; e, segundo me adiantaram, o corte do pêlo de um caniche (um serviço de estética que o negócio dos veterinários também oferece) duplica ou triplica em preço uma ida à cabeleireira da tutora-dona.
Mas há mais, muito mais, à venda nesse corredor maravilha do hipermercado, destinado exclusivamente aos tutores-donos de animais de estimação; é fácil encontrar: trelas em materiais alternativos; brinquedos, biscoitos, tigelas em inox, shampoo, escovas, toalhinhas húmidas, guloseimas para roedores; e até descobri num desses corredores uma latinha de mousse para gatos com o nome de Poésie.
Resumindo: um corredor superior em variedade ao de farinhas e massas que costumo frequentar.
Depois da pesquisa, uma certeza: a comida mais barata à hora de visitar o hipermercado é a dos canários; comem pouco e a trinca tem um preço justo; daí as aves serem os animais de estimação mais acarinhados nas lojas dos centros comerciais; em gaiolas de todo o tamanho e feitio.
E, desde logo, os meus animais de libertação favoritos; pois, se abrir uma gaiola nem sempre é fácil (devido ao tamanho da porta); resulta sempre numa atitude subversiva de excelência.

22/09/2021
 

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