Antonieta Garcia
UMA MONJA...
A minha avó não era senhora para proferir insultos em voz alta e muito menos dirigi-los a gente da vizinhança...
Tinha os seus critérios de avaliação sobre comportamentos femininos e masculinos, e aprendera a não perder tempo a apreciar desvios de maior quilate para não deteriorar, de vez, algumas relações.
Acresce que no prato da balança, o julgamento, no caso das mulheres, contava com uns pozinhos de suavidade:
- Pois! A culpa é sempre da Eva! - concluía.
Ora, um dia surpreendeu-me, quando a vi muito arreliada com o atraso de um trabalho que encomendara há séculos. Desabafou:
- Aquilo é uma monja que para ali anda!
Monja? Digamos que o vocábulo, foneticamente, não tem ponta por onde se lhe pegue! É feio, agressivo, vai caindo em desuso.... Aquela nasal inicial forte, mesmo se adoçada pelo “j” que se lhe segue, não perde o fragor!
Certo é que sempre ouvira a palavra “monja” rodeada de qualidades, de afeições. Uma monja é uma mulher que fez votos de clausura: não sai do Mosteiro ou do Convento; separa-se (crê-se) voluntariamente do mundo; em síntese, monja é uma freira que escolheu um estilo de vida difícil, dura, dramática. Deu ordem de prisão à liberdade e, coitada, rotina e tédio não faltam. É preciso ser quase santa para aturar tamanha devoção e obras. Ou seja: uma monja é uma heroína: observa os preceitos da Ordem a que pertence, reza por si, pelos pecados dos outros, medita.... E isto é viver, perguntava-se?
- Aquilo é uma monja que para ali anda! -ouvi, de novo, a minha avó!
A crítica e o significado da palavra não colhiam consenso!
Será que monja, através dos tempos, enfeirara outro sentido? Sei que ao contrário da religiosa afastada do mundo, a monja da minha avó detestava o trabalho, não fazia coisíssima nenhuma.
Vestiam-se de forma estranha, estas freiras! De verão e de inverno usavam saia comprida, uma touca estranha que as alongava muito relativamente à altura real; a fatiota era confecionada sempre a preto e branco.
Monja, a partir do desabafo da minha avó, tornara-se sobretudo uma mulher que se eximia a compromissos, engordava... Uma monja era tudo o que ninguém queria dentro de casa!
Tinham muitas qualidades? Claro! Possuíam artes culinárias divinas, sobretudo no âmbito das sobremesas. Uma garganta de freira, uma barriga da mesma religiosa, um toucinho do céu, papos de anjo.... eram batismos acolhidos por amadores de receitas conventuais.
- Aquilo é uma monja que para ali anda?
No Convento faziam bolos, arranjavam hortas e jardins... Porém, considerando o número de religiosas que moram em mosteiros são várias as que só trabalham a seu bel-prazer.... E como não há crianças, maridos, família... serão poucas as tarefas, para tantas obreiras.... Deitava-lhe boas contas a minha avó:
- Aquilo é uma monja que para ali anda!
Firmara jurisprudência: Cá em casa nunca mais põe os pés! Encomendar-lhe obra? Nunca mais!
E não é que o significado pegou e as monjas metamorfosearam-se? Olhavam para o trabalho por cima do ombro e, filósofas, optaram “devagar que tenho pressa”?.... O trabalho não azeda e ao dia de Santa Luzia, segue novo dia? As obras que esperem???
E hoje, mais freiras e irmãs do que monjas, continuam a deliciar os monges, trocando os doces conventuais por licores e vinhos em que eles se fizeram peritos...
Mas, nem as monjas (palavra em vias de extinção), nem os monges se livram da ideia, de que a par da santidade, o convento garante descanso, boa comida e boa bebida.... pecadilhos que até o Criador aceita.