Edição nº 1734 - 23 de março de 2022

Elsa Ligeiro
OS JORNAIS DA MINHA VIDA

Gosto muito de jornais. Cresci com eles e vagueei pelo mundo através deles. Sou antropologicamente da era do papel. E talvez o meu amor desmesurado pelas árvores não passe de um sentimento de culpa pelo seu sacrifício a favor da Leitura.
Recordo o ardina Quinqueira (nome popular) que, ao final da tarde, entregava ao marido da minha irmã, no Bairro das Flores, em Alcains, “O Século”, jornal do tamanho da minha altura; e que nessa época funcionava como um gigantesco cartão de visita do mundo.
Zelosa, guardava com o olhar a pilha de jornais que se iam acumulando no “forro” de telha vã como uma relíquia. Como um tesouro a guardar.
E quando, aos 13 anos, comecei a ganhar dinheiro como operária na Dielmar, o prémio de produção que os meus pais me entregavam para administrar como bem entendesse, investia-o todo em jornais e livros.
Para o crescimento do meu amor pelos jornais está um grupo de bons jornalistas como o Afonso Praça, Cáceres Monteiro e Manuel Beça Múrias; jornalistas fundadores, em 1975, do semanário “O Jornal”, depois o “Se7e”; e ainda o “Jornal de Letras” que sobrevive.
Foi no “Jornal de Letras” que li pela primeira vez António Lobo Antunes, Lídia Jorge, e onde lia religiosamente o meu cronista favorito na época: Augusto Abelaira.
Quando decidi (a palavra é mesmo essa) conhecer mundo e não sabia muito bem por onde começar, foi no “Jornal do Fundão” que soube da existência de um curso de formação profissional e enviei uma carta ao cuidado do seu director, António Paulouro.
Na carta explicava que apesar de não possuir as qualificações exigidas era a pessoa mais motivada para o frequentar.
O Sr. Paulouro acreditou no que leu, e lá parti para o Fundão. Provei que não mentia e, acabado o curso, fiquei a trabalhar no Jornal.
O curso era de fotocomposição e o Sr. Paulouro, como bom visionário, já tinha adquirido um gigantesco computador (de cor verde) que fotocopiava os textos compostos num teclado.
Depois, o rolo era revelado como se de uma fotografia se tratasse; passava em roda por alguns líquidos-reveladores e, por artes fotográficas, ali estavam os textos impressos, prontos para o sr. Mário recortar e paginar o jornal, no estirador. Tudo isto no final dos anos 80.
No início dos anos 90, escrevo uma nova carta para um jornal em Castelo Branco, acabado de fundar, com sede na Av. 1.º de Maio e que comecei a comprar desde o primeiro número.
Na carta, escrevi, com sinceridade, que gostaria de trabalhar na “Gazeta do Interior” pelo seu projeto arejado, novo, onde se praticava um jornalismo crítico que então apreciava (ainda aprecio) e que cultivava o humor (ainda recordo com nostalgia o Bisnau, lembram-se?).
O Afonso Camões diz-me que sim; e lá regresso eu de bagagem para Alcains e Castelo Branco.
Apesar de ter nascido em Alcains não conhecia bem a cidade de Castelo Branco que encontrei em 1991 e que me fascinou.
Qual o jornal que publicava uma grande reportagem com o dramaturgo Vicente Sanches?, a “Gazeta do Interior”; qual o jornal a quem os trabalhadores das lixeiras vinham pedir ajuda para denunciar a falta de condições no trabalho?, a “Gazeta do Interior”. Qual o jornal que inventou o “Pelourinho” onde se comentava o impublicável?, a “Gazeta do Interior”.
Foram meses intensos a testemunhar o entusiasmo de fazer um jornal para uma cidade que necessitava de mudança.
Com o Afonso Camões, a Teresa Antunes, a Paula Nogueira, o António Tavares e o Vítor Tomé; mas também o Rui Rodrigues na informática.
Por motivos profissionais, o Afonso Camões parte para Macau e chega o Joaquim Duarte; intuitivo, inteligente, e a respirar jornalismo.
Foi ele que me ofereceu no dia 14 de julho de 1991 o livro “A Bagagem do Viajante”, de José Saramago, na tentativa de me convencer a ficar na “Gazeta do Interior” e anular a minha decisão de mudar-me para Coimbra.
Sou determinada nas minhas decisões, e ser editora e produtora cultural era (continua a ser) a minha escolha.
Acertei, mas se algo tivesse corrido mal seria à “Gazeta do Interior” que teria tentado regressar. Sem qualquer dúvida.
Pelas memórias que já relatei, mas também porque a cidade de Castelo Branco continua a necessitar de um jornal, tal como nos anos 90, que a ajude a crescer em espírito crítico e comunitário.

23/03/2022
 

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