Antonieta Garcia
AS RAPARIGAS DA GUARDA, O SÃO JOÃO...
Há sons reais e outros da alma que passeiam todo o dia, pela cidade. Adivinham-se as diferentes sinfonias que gente de bem com a vida cantarola. E a harmonia oferece-se a quem quer ver e decifrar a música.
Saramago apreciava as cidades harmónicas. E, quando falou da Guarda, a terra dos cinco efes (fria, farta, forte, formosa, fiel), olhou melhor as guardenses. Ficavam bem na urbe. Afirmou: “as mulheres são lindas, substanciais e olham de frente”, uma descrição objetiva, perfeita, deliciosa. Se o Nobel o diz... Saramago não se perderia em malabarismos de escrita e avançou a peito feito pelos caminhos de palavras sem empecilhos ou que é necessário desobstruir. Lindas, as mulheres da Guarda? É só abrir os olhos! Trazem a formosura na alma e cada qual traça a sua menina linda.
Mas substanciais...? Que queria dizer o escritor? Valha-nos o Dicionário Houaiss: a mulher substancial é considerável, avultada, (...); encerra muitos ensinamentos e possui muito conteúdo... Na verdade, a anorexia tem pouco por onde esgaravatar, na Beira. É moda, a magreza, mas cidade é alta, fria durante uma boa parte dos meses do ano, e desejam-se as calorias gastronómicas que aconchegam o ânimo. E também se sabe que toda a senhora prudente conhece as voltas e revoltas do clima e guarda o melhor cepão para a noite de São João.
- Na Guarda, o caldo de grão, quentinho, é consumido até para lá da meia-noite da noite mais rapioqueira do ano? Quem resiste a tais pitéus?
No burgo, também há sardinhas assadas, mais modernaças. Às congeladas, nem vê-las! Aqui, exigem-se fresquíssimas, a pingar no pão e na broa, em mesa fraterna dos comensais.
Pantagruel é um aprendiz de feiticeiro neste paraíso de boa comida e lindas raparigas. Das que olham de frente para não haver dúvida. Descrevam-se ao modo bíblico: Eu sou aquela que sou!
Já lá vai o tempo em que, em cada largo citadino, ardia uma fogueira para saltar, para dançar, purificando vidas e amores. Apanham-se as orvalheiras, as orvalhadas e as orvalhudas mas alumiam-se as solteiras, as casadas, as viúvas. Com foguetes e balões cantam e bailam, desvendam segredos do futuro: casamento, profissões, número de filhos...Queimar tomilho e alecrim, “limpa” os males e expulsam-se más energias.
Rituais não faltam, na noite sagrada. Os cantos anunciam o prazer de amar: Anda cá, que eu também ando/Mortinha por te falar;/A vergonha me retira,/O amor me faz chegar.
Cumplicidades e intimidades que a rapariga ora quer, ora enjeita... E até as letras obedecem a uma matemática que só os namorados descobrem: Há no céu dezoito estrelas;/Postas numa carreirinha;/Com elas escreveu Deus/Eu sou teu e tu és minha./. Duvidam? Ora conte lá, letra a letra...
Ou: Lembras-te daquela noite/que contámos ao luar,/Eu as areias do chão,/,Tu as estrelas do ar?
E será ainda a matemática que explica a medida do tempo: O dia tem duas horas/Duas horas, não tem mais;/Uma é, quando vos vejo/Outra quando me lembrais.