Valter Lemos
O MUNDO ESTÁ PERIGOSO!
A invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin despertou muitos demónios que pareciam estar adormecidos. É verdade que muitos outros sinais tinham já tido lugar, mas, a guerra foi aquele pontapé nas costas que faz acordar até o mais entorpecido.
O primeiro e mais importante de todos os demónios é a questão da energia. A catastrófica gestão das fontes energéticas que ocorre em todo o mundo, tem escrita, no final, a maior de todas as catástrofes, a destruição do ambiente e do clima, ou seja, das condições de vida neste pequeno planeta para tantos humanos. A incapacidade que os governos têm mostrado para resistir minimamente às questões do lucro fácil e imediato substituindo-as por estratégias consistentes de equilíbrio ambiental, tem conduzido o mundo à insustentabilidade.
É verdade que a situação é mundial e à laia de desculpa até vem o estafado argumento de que a China e a Índia são os maiores poluidores. Mas sejamos claros, antes disso e durante muitos anos foram os EUA e a Europa os maiores poluidores e o modelo global de comércio mundial foi criado e imposto por estes e não por aqueles, que acabaram por adotá-lo e o usam em seu proveito.
A guerra iniciada pela Rússia pôs ainda mais a nu as incongruências da política energética da Europa e os tempos mais próximos anunciam-se perigosos, devido a tais incongruências e às hesitações que a Europa continua a mostrar sobre o modelo energético que pretende para o futuro.
A tudo isto junta-se outro demónio que se tem levantado nos últimos tempos, o populismo político e a tensão interna nas democracias. Os europeus são dos povos com melhores condições de vida do mundo. Na maior parte dos casos têm níveis de vida muito acima dos habitantes da maioria das regiões do mundo. Mas, ainda assim estão descontentes. E apesar de serem também os povos mais escolarizados do mundo, mostram uma atração quase irresistível pela ignorância e o obscurantismo, que são os instrumentos políticos essenciais dos populistas que parecem conquistar a falta de racionalidade de muitos europeus.
A comunicação social tem chamado a isto o avanço da extrema-direita. Hoje a comunicação social chama extrema-direita a toda a direita que não se enquadre nos partidos de direita tradicional. Creio que isso é muito parecido com a história do lobo. Vão gritando a todas os casos, para que, quando vier o verdadeiro, já não liguemos nenhuma.
Mas, mesmo que não seja tudo extrema-direita, a verdade é que as forças populistas vão progredindo, assentando na capitalização dos descontentamentos (mesmo que sejam contraditórios) e na aparente atração que os cidadãos europeus vêm demonstrando pelo obscurantismo e a ignorância, apesar da sua escolarização. A Suécia, farol da democracia, parece cansada da fartura e a Itália, mantém-se igual a si própria presa aos seus atavismos históricos, para além da Hungria e outros, que nunca conheceram, de forma consistente, a democracia e confiam pouco nela.
A questão não é evidentemente só ou sequer principalmente europeia. Os EUA conseguiram escolher para presidente, um indivíduo que mostrou total falta de escrúpulos políticos, cívicos e até morais, o Brasil instituiu a ignorância e a boçalidade como o principal valor político, sem falar, claro, do “outro lado” como o Irão onde o obscurantismo é mesmo a principal e mais essencial característica do regime, ou da autocracias como a Rússia e a China em que os valores políticos são meramente instrumentais.
Andam, pois, muitos demónios à solta. A invasão da Ucrânia veio soltar mais alguns. O desprezo pela própria existência dos povos e dos países é provavelmente o mais perturbador. Porque o que foi posto ostensivamente em causa não foi só o regime ou as lideranças, como tantas vezes ocorreu na história recente com a cumplicidade da União Soviética ou dos EUA. A somar à catástrofe climática, junta-se a hipótese de uma catástrofe nuclear, com as tresloucadas ameaças de Putin. E existe algum risco do círculo se fechar. Onde Putin obtém apoio na Europa, para além dos desamparados restos do comunismo europeu, em que se insere o “nosso” PCP, são precisamente os partidos e movimentos de extrema direita e até de alguma direita populista, ainda que nem toda, felizmente. Mas, com a continuidade da guerra e dos seus efeitos negativos na economia e na política europeias, não sabemos verdadeiramente até onde a “crise de fartura” dos europeus nos irá conduzir. Há muito quem troque os princípios por uma grade de cervejas ou um depósito de gasolina.
O mundo está perigoso!