Edição nº 1797 - 14 de junho de 2023

Antonieta Garcia
NO COLO DA MÃE, O MENINO ACONCHEGOU-SE...

Que bonito é o dia que abre com o Sol! A vida começa mais cedo, a popular sinfonia dos pardais, o som de trinados sem censura (do clássico ao surrealista entendem-se às mil maravilhas) dão-nos as boas-vindas:
- Bom dia! Bom diiiiiaa...
Continuam a esvoaçar de uma árvore para outra, o repertório de concertos a motivar os mais novos para óperas e operetas em vozes também mais novas...
Se todos os dias nascessem assim, o mundo era tão bonito...
O cenário nesta Serra é paradisíaco; fresquíssimas, as frutas de luxo oferecem-se a quem passa, penduradas nos ramos, coloridas, saborosas (as cerejas são as misses a quem atribuem, na prática, Óscares de desempenho, nas artes, impecável). Cumprem ainda a máxima popular: Do castanho ao cerejo, mal me vejo; do cerejo ao castanho lá me amanho...
Gargantas afinadíssimas das aves felizes tocam-nos na alma; sorrimos. Acompanhamos a beleza tamanha, que deixa de mãos postas, junto ao peito, olhos a brilhar e pescadores de afetos.
Neste chão, há um menino ao colo da mãe, vai e vem, balança, que o colo é berço... Amanhã será navio?
As pedras correm com o vento, rebolam pela encosta verde, dialogam, voam com a água vigilante da vida de gentes e de bichos.
A água é cega? E surda? Surda não é. Na praia, usamos um búzio para que a voz do mar nos conte tudo. Nos rios e regatos, lagos e charcas as pedras ficaram sem arestas porque esculpiram histórias que, no concerto, sabem a precursão a usar no acompanhamento de suas excelências: os melros de bico amarelo, pintassilgos vestidos de fraque em cores LGBT, casais de rolas a arrastar a asa ensaiando formas artísticas para a conquista do amor, lavandiscas vaidosas... todos a acenar a amados.
Mas há guerra! O medo ainda dorme, as guerras enroladas em mortes que se multiplicam num torpor onde vive a esperança. Se vier D. Sebastião, que rompa nuvens e névoas com o sol divino, salvador. Num cavalo branco, um cavaleiro de paz, poeta e sonhador, artista, ama e abraça os afetos pela Natureza. Os melros cantam; há vida!
Desperta vida! As palavras sobem e baixam. Por onde anda o Poeta?
No colo da mãe, o menino aconchegou-se. Onde anda o sono? Levou-o o medo? Ocupam muito espaço, na(s) viagem(s), quando partem ou embarcam...
O pavor vinga-se nos heróis, persegue-os e enlouquece-os. São tantos os Zés-Ninguém que a cantilena da prece não salva. Fúrias danadas trespassam as palavras. E morrem devagarinho, por aí! Pássaros doentes caem no chão, que o vento bate-lhes com força nas asas. Nos braços da mãe, sossegam.
Calendários de tristezas fazem-se todos os dias. Contam-se milhares de mortos, o choro e o desespero destroem. Que muralhas ajudam a cancelar a liberdade? São pesadelos de loucos e o ódio feito Senhor da História.
Quantos naufragaram, quantas explosões de armas sofisticadas roubaram às mãos das mães, os seus meninos... Que não viveram.
Enrolados e imolados em mantas de dor, expiraram e perecem devagarinho... Não há limites para aquilo que o homem pode ser...
(....)
Naquela manhã a cidade chorou, mas escolheu ressuscitar. O menino, com os braços amputados agarrou com os dentes a manta para cobrir as dores causadas por uma qualquer arma mortífera que o atingira... Lamentou a sorte? Aconchegou-se mais à mãe. Por onde andam as ternuras dos homens e dos deuses? Figuras sobreviventes de um tempo perderam o seu juízo! Putin é o quê? Pertence a uma linhagem assustadora de Francos, Salazares, Mussolinis, Hitleres... e mais uma mão cheia de diabos que se regem pela violência. Teme-se a repetição da barbárie. Vale tudo para os senhores da guerra.
(Cf. José Tolentino de Mendonça).

14/06/2023
 

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