Valter Lemos
OS MOTINS EM FRANÇA: FOME OU FARTURA?
Uma vez mais temos assistido a graves e violentos tumultos sociais em França. O número de feridos e pessoas detidas é já de centenas ou milhares e os prejuízos causados são de muitos milhões.
O governo francês tem tentado, por todos os meios, combater a situação, mas a mesma já dura há vários dias. Não se trata já de protestos públicos, mas de tumultos organizados para a destruição de propriedade pública e privada.
Na cobertura noticiosa têm sido frequentemente referidas as condições de vida, designadamente dos jovens, como motivo justificativo. Não sei em que mundo vivem esses jornalistas e esses comentadores. Apontar as condições de vida dos franceses como justificação é não ter qualquer respeito pelos milhares de milhões de seres humanos que têm condições de vida muito, mas muito piores. A França é um dos países do mundo onde existem melhores condições de vida. Está em 22º lugar em mais de duzentos países. O rendimento médio mensal em França é de 3680 dólares (em Portugal é de 1991, no Brasil de 645, em Marrocos de 302 e em Moçambique de 40). É evidente que o rendimento médio não impede que possa haver fortes desigualdades, mas o Índice de Gini, que mede a desigualdade de rendimento, é em França de 29,8, bem melhor que Portugal (32,0) ou o Reino Unido (33,5), para não falar em quase todos os países não europeus, como, por exemplo, o Canadá (32,5), o Japão (32,9) ou a Rússia (36,0) ou o Irão (40,9) ou Angola (51,3).
Resta acrescentar que a França é o país com mais despesa de proteção social na Europa (e também no mundo) com 38,1% do PIB. Ou seja, a França gasta em proteção social dos seus habitantes 38% de toda a riqueza que produz! Por tudo isto, quando os repórteres e comentadores falam de condições de vida dos franceses deviam morder a língua três vezes antes de falarem, ou irem estudar um pouco, já que mostram uma ignorância ofensiva.
O que se passa em França tem certamente causas sociais, mas continuar a propalar uma óbvia mentira não é mais do que, consciente ou inconscientemente, servir os intentos de quem inventou essa mentira.
E, para além das causas sociais, haverá também outras. Sabe-se que, por exemplo, diversos grupos criminais organizados, designadamente ligados ao tráfico de droga, têm estado envolvidos nos tumultos.
Por outro lado, o que dizer do comportamento dos partidos políticos de oposição? Na verdade, a posição das forças políticas de oposição tem sido, em alguns casos, lamentável e noutros equívoca. Infelizmente ao longo dos últimos meses o apoio às manifestações que têm, quase sempre degenerado em atos de violência, tem sido muito mais visível do que as críticas ao comportamento dos manifestantes ou o apoio às próprias autoridades. E isto acontece quer à direita, quer à esquerda.
Parece começar a ficar claro que o populismo que arrasou a França, à direita e à esquerda, já começou a mostrar os seus efeitos na sociedade francesa. Mesmo sem ter conseguido ainda chegar ao governo…
Quando as lideranças políticas substituem o discurso explicativo pelo discurso acusativo primário, simplista, aparentemente verdadeiro, mas profundamente mentiroso, como tem acontecido em França e em toda a Europa, essas lideranças estão a incitar à revolta e ao motim.
Face aos acontecimentos é preciso elogiar Macron. A sua resistência ao populismo, à extrema-direita e à extrema-esquerda, à redução da política a slogans estupidificantes e o combate ao primarismo político e social são dignos do elogio e até do agradecimento de todos os europeus.