Lopes Marcelo
ECOS DOS SINOS
Mais ou menos lentamente, os nossos passos ecoando no tempo foram partindo do território da nossa infância e juventude. Aconteceu à maioria ter emigrado para outras paragens, deixando os horizontes mágicos da terra onde nasceu, a sua comunidade de origem, a indelével pátria dos primeiros afectos. Contudo, apesar de tudo, é no Verão que é mais intenso o movimento de regresso às terras de origem.
Comunidade significa um grupo humano que habita um certo território, ligado ancestralmente por laços de parentesco e que reparte funções produtivas e sociais visando satisfazer interesses e objectivos assumidos de forma colectiva. Assim, as pessoas integradas por laços de intimidade e de interdependência assumem a sua herança cultural através do sentimento de pertença e de participação num destino que se quer comum.
Herança é sobretudo memória colectiva, fruto das tradições que sedimentaram o percurso de sucessivas gerações, primícias da identidade em íntima vibração da relação de pertença.
Ora tal vibração por vezes ténue e algo longínqua ganha em ser renovada por sinais, valores e apelos mais ou menos simbólicos que realimentem o diálogo e a comunhão com as raízes, confirmando-nos como “filhos de algo”. Nas alvoroçadas vicissitudes ao longo da vida, no apressado viver no consumismo do dia a dia, as marcas e os valores das origens, correm o risco de serem esquecidos. Contudo, quando é genuíno, deve ser fortalecido o apelo de nos sentirmos fidalgos da cultura e da identidade das nossas terras de origem, dos lugares que renovam a linguagem mágica da infância e da juventude.
Em tais apelos, direi até chamamentos, os sinos com os seus toques manuais, tão ricos de significados, convocam-nos ao rio da memória renovada. De facto, o património sineiro constitui uma vertente da cultura popular que foi o berço sonoro da nossa infância. Continuou sinal marcante de cada comunidade, voz do tempo nas altaneiras torres como perenes bandeiras que vêm do princípio da civilização humana. Sons em propósitos de fé e, também, a cadenciarem as terrenas fainas e a elevarem para o alto a humana fragilidade. Com o sentido de fé mais ou menos intenso de romarias é significativa a vibração de afectuosa romagem pessoal de revisitação e reencontro no “matar saudades”, aí está a moldura da maior parte das festividades de Verão que animam as nossas vilas e aldeias. Também com a dimensão de feiras e, quase sempre, com programa recheado de artistas que o poder local suporta com avultadas verbas que podiam ter outro destino no apoio à cultura local ao longo de todo o ano.
Seja considerado voz de Deus ou voz do povo, o som dos sinos representa a memória profunda do tempo, enlaça os ritmos e sobressaltos terrenos com a ânsia do sublime e as invocações do infinito.