Edição nº 1815 - 25 de outubro de 2023

Elsa Ligeiro
CASTELO BRANCO – POESIA E CIDADANIA

A cidade de Castelo Branco é tímida à hora de incluir poetas como Eugénio de Andrade no seu património cultural.
A terminar o ano do seu centenário, apenas uma homenagem, mais de artes plásticas do que literária (e demasiado oficiosa): sem qualquer relevo a nível da participação dos leitores do concelho de Castelo Branco e acrescentando muito pouco à dinâmica cultural que se pretende para a cidade. Perdendo-se assim uma oportunidade para a valorização da capital do distrito que tem em Eugénio de Andrade um valor seguro que pode e deve integrar no seu património cultural.
E sim, estive atenta à fugaz leitura junto à figueira, uma obsessão de meia dúzia de leitores que se intitulam poetas e que preferem utilizar as suas toscas palavras para homenagear o autor de Póvoa de Atalaia; em vez de deixar o palco aos luminosos versos do poeta.
Até a relação com João Roiz de Castelo Branco, o mais antigo poeta que transporta para sempre o nome da sua cidade, ainda persiste em ser uma relação envergonhada.
E não fosse o trabalho de Manuel Cargaleiro, no Parque da Cidade, fixando (em azulejo) o manuscrito do poema completo “Cantiga, Partindo-se”, pouco havia para recordar ao visitante que estava na terra de João Roiz.
E sim, continuo atenta ao grupo de amigos que se juntam para almoçar e jantar em encontros poéticos a que dão o nome de João Roiz; que usam e abusam de um protagonismo oficioso de cortar fitas ou costurar roupas de época que faz sorrir (com complacência) a Poesia.
E sim, guardo algumas fotografias de divulgação dos promotores e dos seus eventos poéticos para as partilhar com quem (mais desatento) nem se deu conta destes almoços e jantares entre poetas que se admiraram e se alimentam entre si.
Tudo cómico e risível (a vaidade em poesia transforma-se facilmente na mais hilariante das manifestações humanas).
A verdade é que o concelho de Castelo Branco pode orgulhar-lhe dos autores que cá nasceram ou residiram; como Manuel António Pina que viveu na cidade parte da sua infância; e onde a sua biografia regista um dos momentos mais importantes da sua construção ética; ou de Vicente Sanches, que, como dramaturgo de dimensão nacional, continua como uma lança apontada às misérias e falsidades do espírito humano.
Vicente Sanches viveu toda a sua vida em Castelo Branco, ensinando filosofia no velho Liceu Nuno Álvares.
Nasceu em Alcains, em casa dos avós, proprietários do Solar Ulisses Pardal.
Todas estas relações biográficas de autores de excelência (como só a poesia e o teatro são capazes de construir) têm um peso próprio, mas infelizmente invisível no património da cidade e do concelho; o que é lamentável.
Não falo de estátuas, nem de dar nomes às ruas e às Escolas cujos alunos entram e saem da escola sem conhecer a obra e a vida dos seus patronos; mas de trabalho de divulgação da sua obra, da promoção da leitura dos seus livros; de apoiar a encenação de peças de teatro por companhias de referência a nível nacional; a verdadeira homenagem que se pode prestar a um dramaturgo; e mantê-lo vivo dentro do território onde viveu e que pode servir para acolher visitantes curiosos e interessados.
Tornar estas personalidades visíveis na cidade e também a riqueza que produziram individualmente; em vez de construir com espalhafato narrativas sobre Castelo Branco pouco ou nada consistentes com o rigor histórico; esquecendo quase sempre esse valor patrimonial que é a Literatura e a Língua como registo da passagem do tempo e da fixação de memórias; a vida para lá do que ela se apresenta na sua prosa diária; e fazê-lo com sensibilidade, paixão e arte.
Sempre imaginei o eixo cultural Alcains - Castelo Branco (envolvendo outras aldeias do concelho) com um singular Festival de Teatro totalmente dedicado à obra de Vicente Sanches, uma invasão de atores, encenadores e saltimbancos em carroças ou a pé, rindo das crenças, superstições e ideias filosóficas dos seus contemporâneos.
Um espaço onde o mundo do imaginário se expandisse livre entre quem inventa ou reconstrói a nossa comunidade, numa dimensão cultural preciosa para além (mas também) do económico.
E sentir a Poesia nas ruas que envolvem e servem de caminho à frágil muralha do Castelo; ruas que deviam estar cheias de vasos e canteiros com frésias, sardinheiras e outras flores; de todas as cores: brancas, amarelas, vermelhas, rosa ou roxas.
Ruas com vozes em rodopio, de crianças, velhos e novos; artistas e cidadãos de passagem ou moradores; com a presença central do Museu Manuel Cargaleiro, com a sua praça em calçada portuguesa como centro de muitos e bons encontros comunitários.
Um eco permanente de palavras e gestos sempre renovados, resistindo ao cansaço e ao envelhecimento, através das palavras imortais de João Roiz de Castelo Branco, Eugénio de Andrade, Vicente Sanches, António Salvado, Manuel António Pina, João Camilo, José Guardado Moreira, e a arte cénica de José Manuel Castanheira.
E música. E dança. E cinema.
Numa bela e feliz celebração da Vida.

25/10/2023
 

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