Edição nº 1834 - 6 de março de 2024

Guilherme D'Oliveira Martins
A EUROPA CHAMADA À CORAGEM

A celebrar 40 anos da morte de Denis de Rougemont, militante europeísta, lembramos que a Europa que herdámos nasceu em volta do Mediterrâneo e depois tornou-se continental ao longo dos séculos. As guerras civis europeias do século XX, com projeção mundial e resultados trágicos, levaram a que, depois de 1945, tenha havido um forte movimento pan-europeu, que o Congresso de Haia de 1948 procurou projetar e desenvolver como um sobressalto cívico e um fator preventivo de futuras guerras e conflitos desregulados. Denis de Rougemont, no Centro Europeu de Cultura, de Genebra, foi um dos principais protagonistas dessa ação intelectual. Milan Kundera disse um dia que o europeu poderia ser definido como aquele que tem nostalgia da Europa. Tendo afirmado que na Idade Média a unidade era baseada na religião e na Idade Moderna na cultura, perguntava qual seria hoje o fator de unidade? Não há uma nação europeia, mas um caleidoscópio heterogéneo, pleno de complementaridades. Vista de fora, a Europa tem uma personalidade, muitas vezes olhada com desconfiança. Na célebre conferência de Genebra de setembro de 1946, Karl Jaspers procurou dar resposta a este intrincado problema. O pensador falou então de Liberdade, de História e de Ciência como marcas da personalidade europeia. “Se queremos citar nomes, a Europa é a Bíblia e a Antiguidade. (…) A Europa está nas suas catedrais, nos seus palácios, nas suas ruínas, é Jerusalém, Atenas, Roma, Paris, Oxford, Genebra, Weimar. A Europa é a democracia de Atenas, da Roma republicana, dos suíços e dos holandeses, dos anglo-saxões…”. Sentimos, no íntimo de nós a Europa como lugar de múltiplas diferenças, que trazem consigo a audácia da liberdade. A Liberdade (para Jaspers) significava inquietude e agitação, vitória da vontade sobre o arbitrário. A consciência trágica grega liga-se à esperança cristã, e o diálogo entre culturas torna-se busca de uma consciência de si. A História é a lógica sequência da Liberdade – situando o que é real e o que é possível, a partir da pessoa humana, num caminho inesgotável. A Ciência parte da ideia de que o saber nos torna mais livres, pelo sentido crítico, pela experiência e pelo uso equilibrado da razão. O adjetivo “Eurôpos” significa o que é largo e espaçoso. Como pessoa, “Eurôpé” quer significar aquela que tem grandes olhos – que permitem ver longe. Há afinidades evidentes com Eurídice. O rapto da formosa Europa por Zeus, transformado em touro, é a alusão mítica referenciada quando falamos da designação do velho continente. Uma princesa da Ásia trazida para a Grécia liga a civilização fenícia à cretense. Em 1948, o Congresso Europeu de Haia deu o sinal: haveria que usar um novo método na reconstrução da Europa e do mundo, depois da catástrofe da guerra. E a declaração de Paris de Schuman (9.5.1950) consagraria o objetivo defendido pelos intelectuais na capital holandesa. Nesta perspetiva, Denis de Rougemont, empenhou-se em lançar as bases de um novo método, baseado na descentralização e na subsidiariedade. As pessoas e os cidadãos são a base da nova construção, não centrada na perspetiva nacional e nos egoísmos protecionistas, mas na procura de uma via pacífica, baseada na economia e na sociedade. Não se trata de criar uma nação europeia, mas de construir uma solidariedade de facto e de direito, centrada no pluralismo e nas diferenças. Fernand Braudel, o historiador da economia, falou do carácter pioneiro e necessário do projeto europeu. Mas perguntava: “A unidade política da Europa poderá fazer-se hoje não pela violência, mas pela vontade comum dos parceiros? O programa desenha-se, levanta entusiasmos evidentes, mas também sérias dificuldades”. E o historiador lança os alertas necessários, já que a construção europeia depressa se tornou menos um projeto político de cidadania, para se tornar uma mera adição de preceitos técnicos e de burocracias. “É inquietante verificar que a Europa, ideal cultural a promover, venha em último lugar na lista dos nossos programas. (…) Ora, a Europa não existirá se não se apoiar nas velhas forças que a fizeram, que a trabalham ainda profundamente, numa palavra se negligenciarmos os humanismos vivos. (…) Europa dos povos é um belo programa, que está por formular”. Mais do que invocarmos os grandes idealistas, somos chamados a dar um salto desde os ideais até à realidade. E quando recordamos Denis de Rougemont ou Altiero Spinelli, lembramos os funcionalistas (como Jean Monnet) e os políticos europeus (como De Gasperi, Schuman, Delors e Mário Soares). A Europa do futuro constrói-se com mais política, com melhores instituições, com o primado da lei e a legitimidade democrática. Longe da tentação de construir instituições artificiais (que são reversíveis), do que se trata é de superar os egoísmos nacionais pela salvaguarda sã das diferenças culturais - os Estados-nações não podem ser esquecidos. No fundo, é a dignidade da pessoa que está em causa, como sempre insistiu Alexandre Marc, um militante europeu centrado na liberdade e na dignidade humana. Do que se trata não é de criar uma identidade europeia, mas de entender a complexidade do pluralismo e das diferenças “Com um pouco de nervo político (diz o filósofo alemão Jürgen Habermas), a crise da moeda comum pode acabar por produzir aquilo que alguns esperavam em tempos da política externa comum – a consciência, por cima das fronteiras nacionais, de compartilhar um destino comum europeu”.

06/03/2024
 

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