João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
GRANDE É A POESIA, A BONDADE E AS DANÇAS… Mas o melhor do mundo são as crianças, escreveu Fernando Pessoa. Mas onde estes versos de Pessoa passam de cor de rosa a cores mais sombrias é quando todos os dias temos a confirmação de que vivemos num mundo que não protege o que tem de melhor, as crianças. Todos os dias entram nas nossas casas, pelos noticiários, crianças a sofrer e a morrer, mas a teimar em sonhar com um futuro onde possa estudar, brincar... Outro poeta, Al Berto, escreveu: Desconcertante é que tão grande tristeza caiba dentro de tão pequeno peito. Às vezes morre-se tanto, e tão cedo.
São as crianças (e as mulheres) vítimas inocentes e desprotegidas em zonas de guerra, as mediáticas como Ucrânia e Gaza, e outras de África e Extremo Oriente, que não merecem uma simples nota de rodapé dos média ocidentais.
Mas se as nossas crianças felizmente não vivem em situação de guerra, meio caminho andado para a felicidade, a verdade é que muitas vivem sufocadas pelas regras de segurança, por vezes obsessivas, que os pais e outros familiares (em particular avós) e o Estado impõem e lhes coarta a autonomia, que é tão importante para um crescimento saudável. Um dia destes, estava eu numa esplanada do centro cívico de Castelo Branco, um catraio dos seus quatro ou cinco anos estava numa mesa com os pais. Provavelmente farto de estar sentado sem nada para fazer, decidiu ir dar uma volta em alta correria. Apesar de se estar num espaço seguro, foi ver o pai em igual correria atrás do filho, apanhá-lo uns metros mais adiante e admoestá-lo pela aventura.
O que aconteceu na nossa sociedade para gerar estes comportamentos, estes medos? Nos meus tempos de criança, vividos numa aldeia, encontrávamo-nos todas as noites no adro da igreja, para brincar longe dos olhares dos pais. Entre os rapazes, eram brincadeiras como saltar ao eixo, corridas, a bilharda ou o ferro contrabando. Algumas que obrigavam a grandes correrias, saltar muros, correr pelos campos semeados, algumas vezes sob o olhar reprovador dos adultos (esta canalha anda-me a acamar o alcacêr). Alguns acidentes não eram suficientes para nos impedir de brincar e construir amizades para a vida. Não sei se agora na aldeia esta liberdade poderia continuar a ser vivida, porque faltam as crianças.
Era assim numa aldeia do interior, na Lisboa dos bairros que eram verdadeiras aldeias dentro da cidade, ou mesmo numa cidade da América profunda. Bill Bryson (n.1951) é autor de vários livros de viagem e de um delicioso livro de memórias de infância (A Vida e as Aventuras do Rapaz Relâmpago) vivida em Des Moines, capital do estado de Iowa. Conta ele como nos anos 50, em tempo de férias escolares, pegava logo de manhãzinha na bicicleta para ir ter com os amigos de escola ou de bairro e em que a única recomendação que ouvia da mãe é que o queria em casa à hora de almoço. Fosse com cabeça partida ou esfoladelas, o importante era estar em casa à hora de almoço.
O que mudou na nossa sociedade? Foi a perceção de insegurança, e o receio de deixar as crianças à mercê de predadores sexuais, perceção algumas vezes construída por discursos populistas e pela imprensa tabloide. O melhor do mundo são as crianças, mas este mundo não é para crianças (nem para velhos).