Edição nº 1853 - 17 de julho de 2024

João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...

POR ESTES DIAS TIVE O PRAZER de saborear umas deliciosas migas de peixe junto aos dois rios que atravessam ou delimitam o território da freguesia onde nasci e onde vivo. As migas de peixe do rio foram partilhadas com várias dezenas de vizinhos, alguns de lá naturais, outros vindo de outras paragens e que ali encontraram o espaço ideal para se instalar e usufruir da pacatez e convivialidade das suas gentes. E a gastronomia é um dos mais fortes traços sociológicos que alimenta a união e o sentimento de pertença à comunidade. É o traço diferenciador, é extraordinário como, mesmo entre freguesias vizinhas se conseguem distinguir à primeira colherada os pratos confecionados que são comuns na mesa dos habitantes de uma região. A tigelada ou as migas de peixe são um bom exemplo disso. Sendo assim, não surpreende que a gastronomia seja objeto de estudo pelos cientistas sociais, em particular pelos antropólogos. Ocupou parte muito importante na Etnografia da Beira, obra maior de Jaime Lopes Dias (1890-1977). E ganhou uma relevância especial nos tempos mais recentes com os trabalhos dos gastrónomos José Quitério (1942) e Alfredo Saramago (1938-2008), este último que além de gastrónomo reputado era também antropólogo, com um livro dedicado à cozinha da Beira Interior.
O estudo antropológico da gastronomia de uma região ou de uma comunidade é muito mais que uma coleção de receitas de cozinha. É uma confluência de saberes na recolha das receitas, com base tanto em fontes escritas tanto como na tradição oral. Tendo sempre presente o contexto em que o prato sobe à mesa e os seus intérpretes. A propósito da gastronomia com recurso a produtos endógenos e de época, podia falar de questões de sustentabilidade e da redução da pegada ecológica, problema que preocupa a Leonor, e inúmeros outros jovens (influência positiva da Escola). Alguns dos produtos aparecem de forma espontânea nas hortas, como as beldroegas e os meus muito estimados brêdos, que dão as melhores sopas que já comi.
E voltamos de novo às migas de peixe, que dão o mote a este apontamento. Um prato que é em regra associado ao convívio. E desta época do ano, como muito bem lembra a iniciativa anual da Associação dos Amigos das Benquerenças. A minha vivência na aldeia na adolescência ou enquanto jovem adulto acontecia apenas no tempo das férias grandes. E era então que os homens, jovens ou menos jovens, desciam, a pé ou de burro, à foz da Líria com o Ocreza que dista três ou quatro quilómetros da aldeia. E o peixe pescado nas águas bem mais férteis em vida que hoje, era a matéria-prima para a confeção ali mesmo das famosas migas de peixe, junto às águas correntes e condimentadas com o poêjo da ribeira. Sempre pelas mãos de homem, o ti Vilelinha era mestre na caça, na pesca e nas migas. Ao contrário do que acontece na quase totalidade daquilo que se come por ali, a confeção das migas de peixe, ainda hoje, é quase um exclusivo do homem. Como aconteceu agora, claro está, em que as comi em convívio e amena cavaqueira, à sombra dos freixos e a metros de um espelho de água, que também ameniza uma paisagem cada vez mais marcada pelo abandono agrícola, menos evidente nas terras dos cortilhões.
A gastronomia é portanto um traço tanto unificador como distintivo de uma freguesia, concelho, distrito e atrevo-me a dizer nacional. Vejam-se as inúmeras feiras e festivais um pouco por todo o nosso Distrito, associados a produtos gastronómicos locais ou regionais, principalmente nos nossos queridos meses de verão. Bons e saudáveis fins de semana gastronómicos é o que desejo a todos os meus leitores. Pode ser que nos encontremos por lá.

17/07/2024
 

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