Guilherme D'Oliveira Martins
LIBERDADE E SERVIÇO PÚBLICO
Dedico esta crónica a duas saudosas amigas que participaram ativamente na reflexão sobre a RTP-2. Falo de Helena Vaz da Silva e de Maria José Nogueira Pinto, que pensaram seriamente sobre o serviço público de televisão, no sentido da salvaguarda de um espaço capaz de representar a arte e a cultura, o debate de ideias, a passagem da informação para o conhecimento e a participação da sociedade civil. Quando surgiu a ideia de fechar o segundo canal em 2002 prevaleceu o bom senso, e chamou-se à ribalta a cidadania livre e plural. Agora, voltam a ouvir-se vozes negativas sobre o tema. É pena que esses clamores esqueçam, porém, em absoluto a reflexão anterior e até a experiência internacional. Qualquer simplificação neste domínio é meio caminho andado para o desastre, esquecendo-se a complexidade e o elementar respeito pela memória e pela experiência. O certo é que assistimos a profundas mudanças no mundo da comunicação e das novas tecnologias de informação. O futuro obrigará a compreender a diversidade e a heterogeneidade de públicos que temos. E corremos o risco de prevalecerem argumentos de curto prazo e de facilidade, como alguns que vamos ouvindo. Devemos, por isso, recusar soluções delineadas sobre o joelho. Prefiro, sim, lançar um aviso à navegação, para que não se esqueça a exigência e a qualidade, o respeito pela diversidade de valores e interesses e a urgência de não fazer invadir a arte e a cultura pela tentação do pensamento único.
Os problemas com que nos defrontamos são múltiplos – não sabemos, por exemplo, o que acontecerá à imprensa escrita diária, apenas sabemos que nos faz muita falta. Há novas soluções e novas formas de ler e de comunicar, e a uniformidade não é tolerável, sobretudo porque não podemos sacrificar os mais elementares direitos à informação, sobretudo porque não podemos partir do pressuposto errado de que o digital chega a todos e a todos satisfaz. O tempo e a reflexão são necessários, hoje, mais do que nunca, temos de entender que a qualidade exige que não condenemos as especificidades, as pequenas e as grandes diferenças ao esquecimento e à solidão ou à morte prematura daquilo que necessitamos. A massificação é inimiga do humanismo. O consumismo gera o risco moral e a seleção adversa. A ausência de mediações e a tentação dos messianismos providencialistas são mortíferos. Não há soluções perfeitas ou ideais, e sabemos que há sempre o risco de deitar fora o bebé com a água do banho.
Há pouco morreu Bernard Pivot e muitos se esqueceram das resistências com que se debateu e os comentários contraditórios com que se deparou, correndo todos os riscos contra ventos e marés e sendo no final reconhecido por todos. Não esqueço também as longas reflexões sobre a experiência adquirida e o que fui aprendendo com Paula Moura Pinheiro e Jorge Wemans… Eis, por que razão neste momento me limito a lançar um alerta sereno, mas necessário. Recusem-se as precipitações e a falsa tentação de correr atrás dos lugares comuns. A cultura e a economia são naturalmente complementares, precisam uma da outra. Etimologicamente, a palavra economia significa em grego a regra da casa. É preciso, por isso, que não se mate a inteligência que, como a democracia, é aquela pequenina luz bruxuleante de que nos fala Jorge de Sena e que no meio de nós brilha.