José Dias Pires
A VIOLÊNCIA DAS PALAVRAS DITAS E DAS PALAVRAS AUSENTES
Disse Pedro Pinto, líder da bancada do Chega: “Se as forças de segurança disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem”.
Disse e escreveu André Ventura, presidente do Chega: “Nós não devíamos constituir este homem arguido; nós devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez. Nós devíamos condecorá-lo e não constituí-lo arguido, ameaçar com processos ou ameaçar prendê-lo. Num país normal todos pensariam o mesmo, mas parece que se protegem mais os criminosos do que os polícias. Obrigado, obrigado. Era esta a palavra que devíamos a dar ao polícia que disparou sobre mais este bandido na Cova da Moura (...). Tentou esfaquear polícias, estava a fugir deles, e estava a cometer crimes com toda a probabilidade. (...) Sim, o polícia esteve bem.”
Disse Marcelo Rebelo de Sousa, acerca das declarações dos dirigentes do Chega: “Não quero entrar nessa luta política, que é legítima — os protagonistas políticos têm direito a dizer ‘eu manifesto-me num sentido, manifesto-me noutro sentido’. É a democracia.”
Consubstanciadas em mentiras, são graves e violentas as palavras dos dois primeiros, pelo que representam de incitamento à desobediência coletiva das forças de segurança e de incentivo consciente a que agentes das forças de segurança usem, de forma indevida, as armas que estão a seu cargo, em nome de todos nós, para matar de forma sumária concidadãos seus, concidadãos nossos, independentemente de, após a devida investigação criminal, ser possível que a sua ação possa vir a ser justificada como não ilícita e resultante de legítima defesa ou de outra situação legalmente justificada.
Sem substância, irresponsáveis, fugitivas e inadmissíveis, são as palavras do Presidente da República que representam a apologia da desvalorização e banalização da instigação à violência policial, já porque enquanto professor jubilado de direito se devia obrigar a conhecer muito bem o regime jurídico do uso e porte de armas de fogo pelas forças de segurança, não podendo ignorar que a sua utilização excessiva e desproporcionada pelos agentes das forças de segurança constitui crime.
Espantosa a sua asserção de considerar ser democracia o elogio público da ação policial que conduziu à morte de um cidadão, deixando sem a resposta a que devia obrigar-se, duas vozes, em tudo desprezíveis, de quem quis criar, junto daqueles que não têm conhecimentos jurídicos, a convicção de que as forças de segurança podem usar armas de fogo sempre que um cidadão desrespeite uma ordem por si dada.
Dirão que é preferível a violência das palavras à violência das ações. Naturalmente que sim. Nada justifica a inaceitável e criminosa onda de violência de um conjunto de marginais que uma errada intervenção policial provocou, especialmente por se virar contra as comunidades que não merecem ser violentadas de diferentes formas há muito tempo e especialmente nos últimos dias.
Mas nada de isso nos pode impedir o não calar a revolta perante esta profunda irresponsabilidade de duas pessoas que foram eleitas para representar, defender, incluir e compreender os seus concidadãos, em vez de incitar ao confronto e à execução sumária e criminosa vinda dos dois lados da barricada.
A violência das palavras citadas na introdução deste meu texto, assim como a inaceitável reação do Presidente da República, são, no que aos deputados respeita, um atentado ao Estado de Direito, enquadrado por um claro e consciente incitamento ao ódio que só contribui para agravar estes tempos de tensão social que estamos a viver, e, no que a Marcelo Rebelo de Sousa concerne, são a triste constatação de um desempenho irresponsável, fugitivo e inadmissível de quem não quis pronunciar-se (como devia) sobre o civismo integrador e a fundamental vontade de ser integrado e, sobretudo, sobre o sentido constitucional do papel das forças de segurança, tranquilizando os seus concidadãos, em particular aqueles cujas vidas ficam mais desprotegidas por força das palavras prenhes de violência, intolerância e ódio para quem não os acompanha e de hipócrita e oportunista apoio às forças de segurança, proferidas por dois titulares de um órgão de soberania.
A violência das palavras ditas não precisava de ser exponenciada pela violência das palavras ausentes.