Edição nº 1877 - 8 de janeiro de 2025

Antonieta Garcia
AS MÃOS ENRUGADAS

Sulcadas e secas de medos, dizem a dura sobrevivência do quotidiano serrano.
Mulheres e homens aconchegam-se ao frio da serra mãe, estremecem, tremem, afligem-se – valha-me Deus! – oram crentes em orações que memorizaram e criaram outras... todos entendidos nas casas escuras, graníticas.
Janelas e portas afagaram as arestas das paredes velhinhas; a lengalenga repete as palavras dando vida todos os dias.
O sol, quando abre, fantasia nas paredes de dentro e de fora da casa quadros de luz de mestres artesãos... Aqui e além.
Os gogos rolados rebolam, anicham-se, jogam com o vento e o pensamento, descansam. Só elas sabem, a festa da terra que há de vir.
Linguagens sagradas de fertilidade assomam em todas as casas. Uma casa é um templo, claro! E são quatro os cantos divinizados que garantem o conforto, a vida.
Sabem-se os medos de quem lá mora. Á noitinha, rezam; remataram o cimo do telhado. Já não chove. E, todavia, ouve-se:
Quatro cantos tem a casa,
Quatro Anjos me acompanham,
Sempre de noite e de dia.
Acompanhe-nos o Senhor
Que todas as coisas cria.
Deus abençoa o espaço, a saúde, a mesa farta...
As casas têm olhos para olhar o que há para ver. As folhas de trevo de quatro folhas mostram-se.
As janelas juntinhas, os vidros encastoados em madeiras, abrem-se a outras preces; as arrelias, os episódios a haver, tratados com jeito... marcam a hora do diabo fugir a sete pés, sete vezes as torcidas, a tecer nichos securizante.
Afinal, quatro são as direções da Rosa dos Ventos: Norte, Sul, Este e Oeste. Quatro cantos, quatro falas e o tear a alargar-se infinitamente. (Walter Rehfeld, A mística judaica).
Anjos amigos ensinam também:
Deus comigo
Eu com Ele,
Deus adiante
Eu atrás d’Ele.
Na aldeia, a Igreja, ermidas e capelas são santificada tão doces são as comunidades.
E assim nasce uma solidariedade, uma comunhão que a todos envolve, do nascimento à morte.
Cantam e divertem-se jovens, rindo:
Eu cantando, estou calado,
Chorando me estou a rir,
Andando, fico parado,
Desperto, estou a dormir.
As relações do homem com o cantochão amadureciam e alimentavam o coro dos crentes. E as mãos estão secas, enrugadas; o trabalho fazia-se a braço, à custa de sofrimento e dádiva.
Desceram do céu à terra
Dois anjos embaixadores
A buscar a Primavera,
Que lá no céu não há flores.

Todavia, pior é a sorte das raparigas. Lamentam:
Coitadinhas das mulheres,
Já vivem tão desgraçadas!
P’ra passearem nas ruas,
Vão com as pernas atadas.
E os padres, que sorte?
Não há padre que não seja
Amigo de namorar:
É desforra que lhe tiram
Pros não deixaram casar.
Será???

08/01/2025
 

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