Valter Lemos
O MUNDO SEGUNDO TRUMP
A eleição de Trump constitui um momento chave da história contemporânea.
Na última década do século XX parecia que a humanidade caminhava para um período, raro na história, de maior progresso e equilíbrio. O fim do século vinte parecia ser o tempo das certezas. O domínio da ciência. O domínio da democracia. O triunfo dos direitos humanos. A autoridade das organizações internacionais e multilaterais e do direito internacional. Parecia triunfar uma visão do mundo como casa comum de todos os humanos, com as implicações de preservação do equilíbrio natural e a luta contra as alterações climáticas e uma maior universalização dos direitos humanos e mais justa distribuição de recursos.
Os primeiros vinte anos do século XXI pulverizaram tudo isso. O espaço político foi invadido por ideias que o final do século anterior tinha afastado. O nacionalismo, o autoritarismo, o racismo, o fascismo, o darwinismo social e outras irromperam novamente por esse mundo fora. Em vez da procura de mais igualdade, passou a promover-se o aumento da desigualdade como algo desejável. Em vez de procura de maior coesão social, passou a promover-se a maior divisão, a não aceitação de direitos universais, a promoção do abuso dos mais fracos pelos mais fortes.
O mundo está a ficar muito pior! A tornar-se um sítio ainda mais perigoso, ainda mais injusto, ainda mais opressivo.
Mas este triste caminho, no qual vão entrando alguns cegos convictos, mas também muitos incautos e também muitos ignorantes e muitos estúpidos (porque serão dos primeiros a ser sacrificados) tem sido traçado por responsáveis concretos como líderes políticos ambiciosos, mas mentirosos, líderes religiosos convictamente obscurantistas e líderes empresariais pouco ou nada escrupulosos.
O mais destacado de todos é, sem dúvida, Trump. Mas Putin tem importância idêntica, neste caminho de erosão destrutiva. E outros podemos juntar como Bolsonaro, os líderes iranianos, os terroristas do Hamas, do Hezbollah e Netanyahu, Le Pen e os seus seguidores europeus, mas também Elon Musk e diversos outros milionários donos das redes sociais e tecnológicas. Sem esquecer claro o autocrata chinês e o responsável pelo meio tresloucado regime norte-coreano.
Mas Trump tem uma especial responsabilidade. Porque ao liderar, já pela segunda vez, os EUA e o mundo ocidental, não só pôs em causa muitos dos valores essenciais daquele, como, nesta segunda encarnação presidencial, parece empenhado em, além de espatifar totalmente os valores da democracia liberal, criar as maiores divisões internacionais, abrir conflitos comerciais e culturais, incentivar conflitos políticos e sociais internos e externos, legitimar lideres e regimes não democráticos, liquidar as organizações internacionais e o multilateralismo, apagar o direito internacional e instituir a força como elemento central das relações internacionais.
Trump quer um mundo onde os países mais fortes podem invadir os mais fracos, onde os mais ricos podem esmagar os mais pobres para ficarem ainda mais ricos, onde a força é razão suficiente para legitimar as ações políticas. E quer que tal poder seja exercido sem qualquer limitação ou controle de instituições internacionais. Trump foi eleito, é verdade, mas na sua filosofia de ação no que é que se distingue de Putin ou de Xi?
Trump quer liquidar a ONU, o Acordo de Paris, a Organização Mundial de Saúde, a Organização Mundial do Comércio e tudo o que possa constituir um elemento regulador da ação política internacional.
Trump não gosta da União Europeia nem do Canadá. Percebe-se logo. E isso acontece porque são precisamente os países que defendem de forma mais clara e consistente os princípios e valores da democracia liberal e a regulação e o direito internacional.
Como a maioria dos líderes autoritários é, em termos humanos e civilizacionais, simplesmente um labrego.