Edição nº 1882 - 12 de fevereiro de 2025

Antonieta Garcia
ENVELHECIMENTO...

Salvaguardar a oportunidade de pessoas mais velhas continuarem a trabalhar e partilhar as suas experiências é um objetivo que, por vezes, se ouve enunciar. Intervir na res publica dá saúde, é um exercício de cidadania. Decisões em domínios como o do bem-estar e serviços sociais, do alojamento e de infraestruturas públicas deviam pressupor a participação dos interessados. Mas, os seniores continuam maioritariamente a ser ignorados pelos poderes. Que quota-parte de responsabilidade lhes cabe?
O envelhecimento demográfico é um problema novo. A melhoria das condições de vida, o acesso ao conhecimento, a serviços médicos de qualidade, do constante surgir de novos medicamentos e de meios auxiliares de diagnóstico, aumentaram a esperança de vida. Em relação aos anos 80 do século XX, hoje, os europeus vivem, em média, mais seis anos.
Todavia, e ao arrepio destas propostas, ouvem-se em Portugal vozes que provocam ruturas na solidariedade inter-geracional; culpam-se reformados pelos males da Segurança Social, pelas despesas com a Saúde... por serem velhos. É cruel e perverso, claro. Não há muito tempo, um deputado por um distrito beirão referia-se, por alturas de Abril, despudoradamente, a gente idosa como “peste grisalha”. Incomodava o senhor deputado o facto de algumas personalidades terem manifestado indignação relativamente ao estado a que o país chegou. Não podia ter usado a expressão por ser quem é; um político tem de pensar o que diz. Que confiança merece um eleito a quem foi concedido poder pelos cidadãos e qualifica tão pejorativamente os seniores? Não quererá chegar a velho? Certo é que “Ninguém quer ser velho, nem ninguém quer morrer novo”; todavia, Saint Beuve ensinava que “Envelhecer ainda é a única maneira que se descobriu de viver muito tempo.”
Em Portugal velhice é muitas vezes sinónimo de fazer de conta que se vive; a agonia de notícias de idosos que todos ouvimos, lemos… estremece quem não desiste de cuidar que é possível construir um mundo mais fraterno.
A esperança de vida aumentou, mas o quotidiano constrói muitos comportamentos de medo; e desistir de ser, abandonar-se à mais triste das tristezas, continua a ser fado de muitos. Ouço Miguel Torga:
Um poeta ardente,
(...)
Que, até nas horas de evasão, sabia
Que a verdadeira vida vive-se a viver.
E quando na perspetiva do usa-e-deita-fora, temos-pressa, se atiram palavras para banir a solidariedade entre gerações, que fazer? Que enfermidade é esta? Afinal, quando se entra na brigada do reumático, quando se perde a juventude?
Disse Eugénio de Andrade: Eu tinha dois ou três anos, tenho agora sessenta, e o apelo da luz é o mesmo (…).
Uma luz que é a vida e para a vida e que alguns não vislumbram.
As semânticas mudaram: não há velhos, há idosos, mais recentemente seniores, há lares de terceira idade, há centros de dia, há apoio domiciliário... Mas esta humanização do dizer não encerrou o ciclo infernal da miséria humana.
Há mesmo um setor de opinião que gera discursos de rejeição e culpabilização impensáveis há meia dúzia de anos. Valem-nos os poetas. Volto a Miguel Torga, que apela:
Não pares, coração!
Temos ainda muito que lutar.
Que seria dos montes e dos rios
Da nossa infância
Sem o amor palpitante que lhes demos
A vida inteira? (...)
Não pares!
Continua a bater teimosamente,
Enquanto eu,
Também cansado
Mas inconformado,
Engano a morte a namorar os dias
Neste deslumbramento.
Deslumbramento que é a vida enquanto vivemos.
Amigos: fomos todos convidados para estarmos por aqui. (Sabemos como os avós se preocupam com o futuro de filhos, netos, amigos…)
Li, há dias, que nos Estados Unidos, um dos três lóbis atualmente com mais poder é o dos idosos. Representam muitos votos e os políticos começaram a perceber a necessidade de ouvir as vozes dos que decidiram não se demitir da vida, enquanto vivem. O exercício de cidadania traz vantagens. E neste conturbado século XXI, ainda se defende um envelhecimento ativo e uma solidariedade real entre gerações.
Amigos: Enquanto for possível, não é permitido desistir.

12/02/2025
 

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