Edição nº 1883 - 19 de fevereiro de 2025

Joaquim Bispo
MAD TALKS

- Caros amigos: - começou o orador convidado, na Associação Cultural - sempre tive curiosidade por tudo o que não entendo. Recentemente, estranhei a condenação geral e veemente da invasão da Ucrânia e a surpreendente compaixão ativa por todos os que fugiam da guerra. Se bem me lembro, na guerra contra o Iraque delirávamos com os bombardeamentos, admirávamos a pontaria cirúrgica e a capacidade destrutiva dos mísseis, achávamos muito bem destruir tudo.
Aqui e ali, na plateia, havia reajustes de posição nas cadeiras.
- Agora, mobilizámo-nos para ajudar os refugiados ucranianos. Afinal, somos gente com G grande. Mas, como foi com os refugiados do Iraque? Alguma vez se organizaram pontes aéreas para ir buscar alguns? Alguma vez pensámos receber um casal em nossa casa? A nossa atenção só despertava quando os víamos meterem-se às centenas em barquinhos pelo Mediterrâneo adentro e lá naufragarem e se afogarem.
Agora percebia-se algum desacordo entre os presentes.
- Pois foi esta aparente incoerência que me causou estranheza. Os massacres de Fallujah eram menos terríveis que os de Mariupol? Menos dignos de compaixão?
Miguel Alves Dantas avançou para a revelação da noite.
- Amigos, eu pensei, examinei, vi gráficos, li análises; o que é que tivemos nos últimos anos, que não tivemos no início do século? Uma pandemia global, intensa e demorada. Foi isto! - acentuava Dantas, com acenos da cabeça. O que aconteceu não foi um desabrochar altruísta espontâneo da Humanidade. Foi o vírus que alterou a nossa genética e fez condoer-nos com os sofredores. Agora, fico à vossa disposição para perguntas.
- Sr. Dantas, tenho dificuldade em concordar consigo - começou um rapaz com uma barbita rala. A invasão do Iraque foi executada pelo bloco militar de que o nosso país faz parte, o que determinou que a nossa comunicação social apoiasse a narrativa do invasor. Hoje, a mesma comunicação social condena as razões do invasor, que é adverso ao bloco a que pertencemos. Por isso ela agora mostra e dramatiza os horrores que acontecem no território invadido. Isto faz toda a diferença, não acha?
Dantas fez um trejeito de desagrado e pegou no microfone.
- O que o meu amigo diz faz algum sentido, mas, primeiro: os jornalistas guiam-se pelo seu arbítrio pessoal, em vez de pelo seu código deontológico? Ou pior, são uma espécie de agentes do bloco político-militar ocidental? Segundo: as pessoas seguem submissamente tudo o que a comunicação social difunde? Não, só que hoje, devido ao vírus da COVID-19, os nossos mecanismos de empatia estão mais sensíveis.
Dantas já apontava para uma rapariga com um único brinco do lado direito.
- O Sr. Dantas disse que estamos muito despertos para os dramas dos refugiados ucranianos, mas não pode tratar-se de uma consequência do nosso racismo tendencialmente endémico? Há dias ouvi alguém notar que estes refugiados são lourinhos e lavadinhos e os outros eram “farruscos”…
- De maneira nenhuma! - declarou Dantas com veemência. - Então nós condoemo-nos com uns, porque aspiramos ao seu branquismo, e borrifamo-nos para outros, para exorcizar o nosso grau de “farrusquice”? Eu acho que, se não fosse a pandemia, também nos borrifávamos para os ucranianos.
No meio do zunzum, levantou-se uma mulher, com um penteado armado e um colar de pérolas de fantasia.
- Sr. Dantas, no Iraque havia um ditador que mantinha o povo debaixo da pata; na Ucrânia existe um regime democrático, com um presidente eleito. Parece-me que será mais por aqui…
- Os refugiados são todos iguais: são desgraçados a fugir da guerra e da fome; da perseguição e da morte. Recuso-me a acreditar que as pessoas tratem os povos conforme os regimes que têm - sejam democracias ou regimes desaprovados pelas super-potências - e que deixem de ter compaixão pelas pessoas que nasceram em países cujo modelo político não aprovam.
O burburinho aumentava. O presidente da coletividade, desculpando-se com a hora tardia, deu por concluída a sessão.

19/02/2025
 

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