Maria de Lurdes Gouveia Barata
ESTE MARÇO DE 2025
Estamos já no terceiro mês do ano e parece que ainda ontem se celebrava o Natal! É o tal cavalo do tempo a galopar torguiano, como referi no artigo de Fevereiro passado. Março é nome relacionado com Marte, deus romano da guerra. É mês de mudança de estação, aguardando-se a chegada da Primavera, que traz mais luz com a fertilidade e o renovamento da Natureza. O dia e a noite têm duração aproximada e a esperança é promessa - «Junto as mãos e dou-te a primeira flor / oculta no jardim, da cor que pressenti… (…)» (António Salvado, «Em louvor da Primavera»).
É usual a variação climática de Março, sendo melhor dizer que era usual, pois, nos tempos que correm, não há a certeza de nada relativamente ao clima. Ainda assim, pegando no que era usual, lembro-me (era eu uma miúda) de ouvir dizer à minha avó: «Março marçagão, de manhã Inverno, à tarde Verão» (foi o primeiro ditado que aprendi sobre este mês). E não é que se constatava isso?! Uma manhã cinzenta de chuva teimosa e uma tarde que se abria em sol. A instabilidade podia ainda exprimir-se em ventos e tempestade por vezes, daí que tenha pertinência o provérbio «Março zangado é pior que o diabo». Pois bem, este Março de 2025 tem-se apresentado com algumas características habituais, com predomínio de abundância de chuva que às vezes é aborrecida, mas é necessária, diz-se por aí, sendo a consciência da preciosidade de haver água, sobretudo pelos Verões escaldantes que ultimamente têm afligido a maioria das regiões do mundo. Privilegia o molhado contrariando o que diz a voz da tradição: no tempo do cuco, tanto está molhado como enxuto, e a chuva veste os dias e em alguns lugares torna-se agressiva de inundações, perdas e lágrimas. Fenómenos extremos – alterações climáticas.
Muito a propósito, falemos do dia 22 de Março – Dia Mundial da Água, celebrado pela primeira vez em 1993, embora fosse em 1992 a instituição desse dia, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro; por esse motivo, o evento ficou conhecido como Rio-92. A água é o veículo da natureza, são palavras de Leonardo da Vinci.
Março, 8 de Março, celebra o Dia Internacional da Mulher. A ideia de uma comemoração anual surgiu quando «o Partido Socialista da América organizou o dia da mulher, em 20 de Fevereiro de 1909, em Nova York — uma jornada de manifestação pela igualdade de direitos civis e em favor do voto feminino». O dia 8 de Março foi instituído em 1975 pela ONU. Mas é ignorado em vários países. Eis um tema que nos levaria longe. Todavia não resisto à 3ª estância de «Em louvor da mulher» de António Salvado:
E pelo tempo fora
tens sido a cupidez da tirania –
ó mártir aguardando a certa hora
em que irás ressurgir
da tua vida a única senhora.
Porém, voltemos a este mês de Março da chuva, do vento e até de tempestades e lembro de imediato os primeiros versos do poema «A Tempestade» de Alexandre Herculano: «Sibila o vento: os torreões de nuvens / Pesam nos densos ares: / Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas / Pela extensão dos mares: / A imensa vaga ao longe vem correndo / Em seu terror envolta; / E, dentre as sombras, rápidas centelhas / A tempestade solta». Se faço o excerto é pela intenção duma outra leitura, orientada num sentido diferente, com investimento metafórico, porque, neste Março de 2025, mês em que escrevo, a tempestade que tem vindo a ocorrer, leva à comparação com o que se passa no mundo. Falo, para exemplo, da tempestade manobrada por Donald Trump e pelos apaniguados escolhidos para a Administração, de que se pode destacar, em má escolha, Elon Musk. Aliás, é este que entra em acção para derrubar a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), agência científica do governo dos Estados Unidos que se dedica ao estudo e previsão do clima, oceano e atmosfera; «prevê todos os dados meteorológicos, avisa sobre furacões e tsunamis e responde a derrames de petróleo». Os objectivos da NOAA são vários e muito abrangentes da protecção dos humanos e do planeta. Outra tempestade provocada pelo actual presidente da América: imposição de novas tarifas a produtos do Canadá, México e China. Já ameaçou inserir, na lista de alvos a atingir, a União Europeia. Está aberta uma guerra comercial global e ainda sem análise segura das suas consequências. Ameaça, adia, volta a ameaçar na mesma linha dum louco de sonhos imperialistas que fala do estado nº 51, que será o Canadá, da necessidade de conseguir a Gronelândia, «de uma maneira ou doutra», segundo palavras suas. Daí que eu designe de tempestade tudo o que a cabeça de um louco atrai ao abalo do mundo e parece recrudescer cada vez mais – são os torreões de nuvens que se aproximam, ventos que sibilam, terror que se envolve.
Contudo, do coração humano desponta sempre uma luz de esperança, mesmo nas piores circunstâncias. É uma questão de sobrevivência. Não diz a sabedoria popular que a esperança é a última a morrer? Assim sendo, quero anotar um envolvimento de alegria que se imiscui no mês de Março, mesmo que este actual se apresente carrancudo. Vem aí a Primavera! Fará a sua entrada triunfal no dia 20 no calendário de 2025. Traz sempre a tal esperança de um novo desabrochamento de cores e verdes e luz, registando Fernando Namora um poema de Nome para uma casa:
POEMETO
Para sempre
jaz o frio
no coração árido.
Para sempre
morde o espinho
na flor sem regaço.
Mas se um gesto
mesmo tardio
te roça os dedos
… colhe-o.
A primavera nasce.
E já estamos na poesia. Março traz o DIA MUNDIAL DA POESIA, dia 21, logo enlaçado na Primavera. Com um poema de Miguel Torga termino:
CERTEZA
Sereno, o parque espera
Mostra os braços cortados,
E sonha a Primavera
Com seus olhos gelados.
É um mundo que há-de vir
Naquela fé dormente;
Um sonho que há-de abrir
Em ninhos e sementes.
Basta que um novo Sol
Desça do velho céu,
E diga ao rouxinol
Que a vida não morreu.
Que um novo Sol nos traga a certeza de uma esperança!