José Dias Pires
NAVEGADAS ILUSÕES, SONHOS POSSÍVEIS
Para os que navegam ilusões em barcos a vogar até horizontes finitos, todos os dias enfrentam o inverno no mar: a neve espraiada na areia e a esperança afogada na espuma.
Inferno, onde o sol incandescente descansa o fim do dia num horizonte sem verão.
Outono, quando há nortada, que se repete de mágoa acompanhada e se enrola na praia à espera das mãos transformadoras.
Será primavera?
Sem gélido destino, no mar, as estações do tempo são o todo mais plural para quem, por viver, nele perde a vida em navegadas ilusões.
Nestas navegadas ilusões, há um vírus que se acomoda em nós, quase invisível.
Um vírus que nos incomoda a voz (ou devia incomodar), imprevisível. Um vírus que nos apoquenta, aflige e nos faz mossa (ou devia).
Há por aqui vírus que a alguns pouco importa e que, por inércia, não se lhes exige que importe.
Não há desculpa: por culpa nossa.
Há quem viva acomodado com tudo o oferecido e que antes não tivemos. Quem viva despreocupado e descomprometido e nós sabemos.
Há quem viva a liberdade e de verdade a não reconhece porque sempre a teve. Há quem dela abuse porque não houve quem dissesse a quem a deve, e fez vista grossa.
Há quem se julgue imortal, imune ao vírus quase invisível, e se finja preocupado só para ser desculpado do seu mal comportar-se, impune.
Não tem desculpa: por culpa nossa.
Há quem o saiba, mas dizer não queira, que fizemos da vida uma feira de vaidosos competidores, formados na escola das vaidades. Escola envergonhada de não ser a escola de valores.
Há quem continue a fingir ignorá-lo e o não o leve a peito, tratando (por ser um vírus que faz mossa) disfarçá-lo de descuido apenas, quando é, antes de mais, inaceitável desrespeito.
Não se desculpa: por culpa nossa.
Por isso, ignorando que o amanhã é sempre 25 de Abril, mesmo em maio, lento, dedo a dedo, calculista, mavioso e disfarçado de flor, o silvado tomou conta do jardim.
Alguns cravos, teimosos, insistem em crescer ruborescidos.
Inocentes, ignoram que nos seus caules cresceu, em espinhos, o triunfo das silvas.
(Ainda haverá tempo de os salvar das sombras que os transformam?)
Pacientes, dedo a dedo, cuidadosos, atentos, os meus netos (os nossos netos), que me ouviram pensar a dúvida, disseram - Sim, avô.
Sorrindo entre sorrisos, libertavam dos espinhos as flores condenadas à solidão das rosas e escancaravam, para mim (para todos nós), a vetusta porta das manhãs claras, ignorando o porquê de o amanhã ser sempre 25 de Abril.
Hão de saber, quando ganharem o tempo que lhes devemos.