Edição nº 1900 - 18 de junho de 2025

Maria de Lurdes Gouveia Barata
O CALEIDOSCÓPIO DE JUNHO

Lembrei-me do caleidoscópio. E porquê? Porque este aparelho óptico permite-nos a observação de maravilhosas imagens coloridas no encantamento dos olhos que espreitam. A primeira vez que pus o meu olhar de bisbilhotice curiosa num caleidoscópio tive o deslumbramento de conto de fadas, que me tinham prometido, era eu uma miúda. Explicaram-me que a mudança contínua de brilhantes efeitos coloridos era devida a um jogo de espelhos e vidrinhos ou plástico de várias cores que se reflectiam nesses espelhos. Só mais tarde compreendi o infinito das combinações que a minha mão provocava, rodando aquele tubo que me fazia entrar na beleza. Também só mais tarde soube como eram inspiradoras aquelas imagens para criar padrões decorativos.
Repito: lembrei-me do caleidoscópio. E porquê? Associei aos dias grandes de Junho (ao solstício de 21 de Junho liga-se o maior dia do ano, falando da parte do dia com sol), ao primeiro de Junho que celebra o Dia Mundial da Criança. Foi em 1925 que, em Genebra, durante a Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança, se proclamou este Dia, pela importância que reveste o tema, e foi o dia 1 de Junho que Portugal adoptou (e vários outros países) para o celebrar. Outros marcaram calendário diferente. A ONU reconhece ainda a data de 20 de Novembro por ser o dia em que foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1959. Aliás, a ONU assinalou pela primeira vez a efeméride em 1950, com o intuito de reconhecer que todas as crianças, independentemente da raça, cor, religião, origem social, país de origem, têm direito a afecto e compreensão, alimentação adequada, cuidados médicos, educação gratuita, protecção contra todas as formas de exploração e ao seu desenvolvimento num clima de paz e fraternidade. Tudo isto ratifica o que disse Johann Goethe: «Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a». As crianças são raios de sol que fertilizam a esperança. No poema «Liberdade», bem conhecido do Cancioneiro de Pessoa, saliento dois versos: Grande é a poesia, a bondade e as danças… / Mas o melhor do mundo são as crianças. E do livro Poesias do mesmo poeta, cito a primeira de três quadras que constituem o poema: Quando as crianças brincam / E eu as oiço brincar, / Qualquer coisa em minha alma / Começa a se alegrar.
De repente… deixo cair o caleidoscópio de revérberos com fragmentos de flores em mãos infantis e com estrelas que cintilam prata e oiro e diamantes entrecruzados na reflexão dos seus espelhos! Tudo fica num preto e branco de bruma que imagino, se espreitar. E lembro as crianças pelo mundo fora, vilipendiadas, vítimas de crueldade. Sobretudo, confesso, assumem relevo as crianças de Gaza numa guerra que nem consigo adjectivar, também as crianças ucranianas transformadas em órfãs e mutiladas. Lembro todas estas em primeiro lugar, porque são vítimas de duas guerras intoleráveis que entram a todo o momento, como notícia, nas nossas casas. Recorro a um poema de Fernando Pessoa (Poesias, 1993, Ática Editora):

TOMÁMOS A VILA DEPOIS DUM INTENSO BOMBARDEAMENTO
A criança loura
Jaz no meio da rua,
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.

A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
— Dos que bóiam nas banheiras —
À beira da estrada.

Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro...

E o da criança loura?

Para continuar com este questionamento revoltado, acrescento palavras do Papa Francisco (Wall Street Journal, 2013): «Muitas vezes nos perguntamos que mundo deixaremos às nossas crianças. Devemos também perguntar: que crianças deixaremos ao mundo?».
Todavia, apanho de novo o caleidoscópio que deixei cair. Recomeço a pensar nas cores de Junho, apesar da interrupção inquieta, angustiada, do pensamento e do sentir. Invoco um outro brilho que cintila nesse caleidoscópio de Junho: o dia 10, o DIA DE PORTUGAL, DIA DE CAMÕES, DIA DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS. É o Dia de Portugal que simbolicamente celebra uma identidade, uma cultura, uma língua, distinguindo a figura de Camões, um ícone bem representativo da cultura e língua portuguesas. Escolho, entre os vários poetas que exprimiram a admiração por Camões, Miguel Torga, fazendo excerto de duas estâncias das quatro que o integram («Poemas Ibéricos); «CAMÕES»:

Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto,
Chega aos teus pés e como que arrefece.

Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta dum império que era louco,
Foste louco a cantar e louco a combater.

Designar-se ainda o 10 de Junho como Dia das Comunidades, alude a estas como as espalhadas pelo mundo, expandindo a lusofonia. Comunidades igualmente representativas do povo português, da força duma História que o regista como dando novos mundos ao mundo.
Junho traz mais cores pujantes de alegria como as dos Santos Populares, destacando-se o Santo António, o São João e o S. Pedro. O cheiro da sardinha assada quase dá sabor antecipado, o cheiro do manjerico leva a exercício respiratório (deve ser medicinal…) de inspiração profunda com olhos cerrados e a música puxa a dança no rodopio da vida. A mim chega-me um cheiro de maresia que se forma na imaginação, juntando-se a esta sensação olfactiva, imaginada, uma outra auditiva: o rumor do mar que me chama e nasce do sol quente de Junho.

18/06/2025
 

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