Lopes Marcelo
CELEBRAR A MEMÓRIA COLECTIVA
Na primeira destas minhas crónicas mensais do Mosaico Cultural, publicada a 14 de Dezembro do ano 2000, sob a epígrafe do ditado judaico: “A memória é o segredo da redenção”; como linha essencial sublinhei que partilhar a memória é condição de maior autenticidade de vivência dos nossos dias revisitando a Identidade Cultural, única forma de se construir a modernidade em coerência e diálogo com a história e as verdadeiras com as raízes.
Na revisitação do património histórico da nossa cidade, comecei por abordar o Convento de Santo António. Nas duas últimas décadas e meia, tentei prosseguir a intervenção cívica e de cidadania cultural activa numa perspetiva pedagógica, com empenhamento no progresso da cidade com alma e memória, dignificando quem somos e de onde viemos, valorizando as nossas raízes e identidade cultural. De facto, partindo da memória individual que representa um valor essencial de enraizamento e equilíbrio da personalidade de cada pessoa, tenho procurado valorizar a memória colectiva como fundamento da solidariedade, âncora do sentimento de fraternidade e de entreajuda dos outros, cidadãos ou cidadãs, mais carentes e mais necessitados.
A memória colectiva de uma comunidade está muito relacionada com os exemplares de arte colectiva que, quer em termos simbólicos e estéticos, quer em termos da história dos que nos antecederam, povoam em termos de criatividade a moldura da paisagem do nosso dia a dia. Sobretudo no território urbano tenho o maior apreço pelas manifestações de arte colectiva que ficam como expressão mais perene de mensagens e ensinamentos para todos, especialmente como ilustração educativa para as gerações mais novas.
A memória colectiva antes de se decantar e consolidar como expressão de identidade em que se revê toda a comunidade, foi memória individual que deu expressão ao labor e empenho criativo do rio de acçôes individuais que, extravasando as margens do interesse pessoal, foi inundando generosamente de aluviões criativos o todo colectivo. É neste sentido que hoje destaco uma artista albicastrense de coração, artista plástica, pintora, ceramista e ilustradora. Refiro-me a Rosário Bello, que não conheço pessoalmente, mas que venho reconhecendo como tendo a sua voz autónoma dedicada, com uma obra de autodidata muito relevante na linguagem plástica e nas palavras poéticas, designadamente, com o seu livro “A cor das palavras”. É muito significativa a sua intervenção na valorização estética do nosso território, quer urbano com interessantes painéis em fachadas de edifícios, quer em ambiente rural em várias freguesias do nosso concelho, interpretando sonhos e sentimentos das populações. Em termos de exposições realizadas é impressionante o seu número, quer no país, quer no estrangeiro.
Uma das suas últimas realizações e contributo para a memória colectiva da nossa cidade é constituída por um painel de azulejos de grande dimensão colocado numa das paredes do edifício dos Registos notariais, por cima da Biblioteca Municipal, na área fronteira à Senhora da Piedade. Vale a pena ali parar para o contemplar, com icónicos elementos relativos à história e património da nossa cidade.
Aqui deixo uma modesta reprodução a documentar a sugestão de encontro com a obra de uma artista que ainda tem muito para nos surpreender.