Elsa Ligeiro
NÃO
Afinal, o maior evento do ano não é o Festival de Verão onde a companhia da cerveja e dos artistas com nome estrangeiro colocam qualquer região no mapa.
O maior evento do ano também já não é a Cimeira de alta tecnologia que nos traz os mais extraordinários cérebros para nos revelarem o futuro: que todos sabemos ser tecnológico porque são as empresas de tecnologia as únicas que conseguem capitalizar grandes somas de moeda física ou virtual.
Em 2025, o maior evento que este país oferece aos seus concidadãos, e tudo leva a crer que não melhore nos próximos anos devido às inevitáveis alterações climáticas (que alguns consideram ainda uma fábula elaborada pelos militantes de esquerda que só gostam de anunciar desgraças), é o dos incêndios.
Há drama, mortes e destruição; e televisões 24 horas por dia em direto “preocupadíssimas” com o país que não se cansam de mostrar na sua mais elaborada miséria.
Tudo com filmagens espetaculares (poucas imagens têm a grandiosidade do fogo; nem a água quando transformada em catástrofe se lhe compara em termos de plasticidade cinematográfica).
E há heróis, os intermináveis incêndios provocam sempre meia dúzia de heróis. Os que morrem em combate e os que se superaram em bravura contra as chamas.
Tudo isto junto seria o mais aplaudido evento do ano em Portugal se (há sempre um se) não deixasse um rasto de destruição que só a natureza, lentamente, com o seu poder miraculoso consegue regenerar.
Assisti ao espetáculo mais doloroso (porque espantosamente real, cinzento e escuro) da minha vida, numa viagem entre Castelo Branco e Coimbra, após os incêndios de 2017, em Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos.
Nunca vivi uma guerra de perto, mas conheci as suas cinzas e despojos em 2017, nessa viagem.
A crer na existência do purgatório (para não ir ao inferno, mais longe e permanentemente em chamas), eu estive lá.
A angústia que aprendi a superar em 50 anos de vida, apareceu, pesada e dolorosa, com as imagens de desolação absoluta, numa destruição completa de um território que conheci multicolor nas centenas de viagens de ida e volta, durante 25 anos.
Demorei a recuperar; mas contei com o imprevisível verde da folhagem que rebentava por entre o negro da terra e das árvores queimadas; num sinal de esperança, empurrado pela chuva que tudo lava e reconstrói.
Em agosto de 2025, na Serra de Arganil, da Lousã; na Estrela e na Gardunha, de novo a tragédia.
Imagens dantescas de fumo e fogo; heróis mortos e outros incansáveis a defender um território que é de todos: dos milhões de portugueses que aqui nasceram; e dos homens e mulheres de outras nacionalidades que vivem e suportam com o seu trabalho o nosso país.
Como acontece numa grande tragédia, houve discussões diárias sobre culpados e vítimas. Muito desespero misturado com a pura alegria de salvar vidas humanas, animais e casas.
Tudo acalmará daqui a uns meses quando surgiram outros eventos espetaculares que arrastarão jornalistas, políticos e “populares” (designação que os jornalistas dão aos cidadãos que ajudam ou protestam em comunidade contra os incêndios que invadem o seu quotidiano) para outra tragédia de água ou fogo.
Este ano, de novo, a angústia chegará quando visitar Alpedrinha, Castelo Novo, Penhas da Saúde, Casal da Serra ou Louriçal do Campo.
Mas desta vez não agirei com calma, nem esperarei que a natureza faça o seu trabalho minucioso e cirúrgico de reparação da catástrofe.
Não.
Desta vez gritarei bem alto: “Não à fatalidade dos incêndios; não à calamidade de viver no Interior de um país que só se preocupa com o Litoral”.
Não. Não nos devem esquecer; os que vivemos num Interior de baixa densidade populacional (como escrevem em relatórios os burocratas que nos governam no Terreiro do Paço ou em Bruxelas).
Não.
Nós não queremos ser cobaias de estudos de desenvolvimento regional delineados à nossa revelia.
A Beira Interior necessita urgentemente de líderes que “começam a tocar pífaro sobre uma lapa, e que às duas por três estão no Terreiro do Paço de aguilhada na mão”, como escreveu (e publicou em livro) Miguel Torga, que não me canso de levar às Bibliotecas Públicas que ainda se abrem ao autor de “Portugal” e “Bichos”.
Os “populares”, na voz desinformada dos jornalistas, devem ter quem os represente o ano inteiro; pessoas a quem já não agradam as palavras de desenvolvimento regional e de territórios de baixa densidade. Não.
É necessário defender o nosso território no Terreiro do Paço, em São Bento ou em Bruxelas, do pasto fácil de negócios incendiários.
Apelar a um desígnio nacional para aprendermos em comunidade solidária (e definitivamente) a apagar os pequenos incêndios antes que se transformem em gigantes e incontroláveis.
Mas também (porque não?) os de aparência inofensiva que conhecemos como “fogo-de-artifício”.