Valter Lemos
O TEMPO DOS TROLLS
Muitos dos que beneficiam do bem-estar criado pelo socialismo democrático/social-democracia e a democracia-cristã transformaram-se em trolls. Idolatram trolls. Portam-se como trolls. Ameaçam. Ofendem. Arrotam insultos. Odeiam os outros. Mentem descarada e reiteradamente. Propõem a violência contra todos os que não integram o exército de trolls de que fazem parte.
Boa parte do mundo está a ser dirigido por gente mal-intencionada. Putin, Kim Il Sung, Khamenei e Maduro são alguns deles. Alguns dirão que são ditadores e que as ditaduras sempre foram assim. Mas o verdadeiro problema é que os líderes de algumas democracias têm mudado de campo, passando a utilizar, não só ao nível conceptual, mas também ao nível concreto e real, alguns dos conceitos e das práticas que, sendo comuns nas ditaduras, sempre foram rejeitados nas democracias. Trump, Netanyahu, Milei e outros estão a forçar os limites do estado de direito democrático, alterando regras e práticas que distorcem os princípios democráticos fundamentais de justiça social.
Desde logo os direitos humanos são postos em causa como nas ditaduras. O não reconhecimento de direitos essenciais à vida e à sobrevivência como um dos pilares fundamentais dos estados e dos regimes, característico das autocracias e das ditaduras, é agora amplamente perfilhado por alguns líderes de países democráticos e defendido por muitos partidos, mesmo no contexto europeu. Também muitos direitos sociais estão a desaparecer ou a ser reduzidos drasticamente em alguns desses países, com o apoio e entusiasmo de alguns partidos e movimentos, designadamente da direita radical e da extrema-direita.
A degradação das regras do estado de direito democrático e a redução dos direitos políticos e sociais cria o caldo de cultura adequado ao crescimento da barbárie. E isto acontece a todos os níveis da atividade humana. Desde as relações entre países e estados até às relações entre grupos sociais e às relações entre as pessoas.
Nas relações entre estados, o mundo nunca esteve tão tenso nos últimos cinquenta anos. E sabemos que essa tensão se deve à atuação de Putin, Trump, Netanyahu, Khamenei e os suspeitos do costume. A recusa da lei internacional, o desrespeito pelos direitos dos outros países e povos, a lei da força em vez do direito internacional são a marca da sua atuação. Da mesma forma o completo desrespeito pelos mais elementares direitos humanos, quer nos conflitos internacionais, quer no caso dos refugiados, quer dos migrantes, é a típica atuação desses países e desses políticos.
Nos direitos sociais a mesma marca está presente. A ultraliberalização está a produzir novos níveis de exclusão. As desigualdades crescem velozmente. A pobreza voltou a aumentar e a exploração laboral dos mais jovens e dos socialmente mais débeis está a regressar a níveis de muitas décadas atrás. A retirada de direitos sociais na área laboral e mesmo em áreas como a saúde ou a educação, passou a ser defendido, sem qualquer vergonha, por alguns partidos e grupos políticos e a constar da agenda de alguns governos.
O uso da violência como meio privilegiado de resolução de conflitos ou como meio de submissão dos mais fracos volta a ser normal. Não só no campo político, como no campo social. Humilhar imigrantes é incentivado por grupos políticos. Bem como humilhar outros menos protegidos, como minorias ou mulheres. A violência está a ganhar novo espaço de normalidade no contexto social. A violência doméstica, a violência racista, a violência urbana.
Mas, é preciso dizer que isto deve-se aos que defendem as ideias e as práticas das lideranças políticas trumpistas, putinistas e quejandos. Não se deve aos governos da segunda metade do século XX e do início do século XXI. O socialismo democrático/social-democracia e a democracia cristã criaram uma Europa de paz e bem-estar. Desenvolveram a educação, a proteção da saúde, a proteção social.
Este clima deve-se ao discurso ofensivo, mentiroso, violento, discriminatório e ignorante de líderes amorais e, muitas vezes, simplesmente estúpidos. Muitos dos que beneficiaram e beneficiam deste bem-estar transformaram-se em trolls. Idolatram trolls. Portam-se como trolls. Defendem todos os direitos para si e nenhuns para os outros. Ameaçam. Ofendem. Arrotam insultos. Odeiam os outros. Mentem descarada e reiteradamente. Propõem a violência contra todos os que não integrem o exército de trolls de que fazem parte.
Compreendo a desilusão dos que aspiravam a mais do que têm. Compreendo a angústia dos que não conseguem atingir as suas expetativas. Compreendo a indignação dos que se sentem discriminados. Compreendo a negação dos que se sentem injustiçados. Não compreendo nem aceito a inveja, a maldade, a amoralidade e a estupidez dos trolls.