Edição nº 1911 - 10 de setembro de 2025

José Dias Pires
UMA FÁBULA DE COBRAS E LAGARTOS, PARA APRENDER A NÃO TER MEDO DAS SOMBRAS

As cobras e os lagartos chegaram aos subterrâneos para hibernar. Ainda antes de entrar nos túneis que os iam levar aos aposentos destinados a ficarem “apagados”, pareciam querer desistir, e já estavam a discutir: «Lagarto, lagarto! Não vos queremos no nosso quarto!» «Quem te disse a ti, ó cobra, que lá não há espaço de sobra!?»
Sendo animais de sangue frio, tinham o sangue a ferver! Era grande o desafio, estava-se mesmo a ver. Sem qualquer espanto, foram enviados, cada casal, para seu canto.
A Cobra A e a Cobra B traziam consigo duas peles de substituição, com tons de tangerina, caso fossem necessárias quando acabasse a hibernação. O Lagarto C e o Lagarto D guardavam nos bolsos um corta-unhas cor de safira. Sabiam que as unhas lhes iam crescer até recomeçarem a aquecer.
As cobras e os lagartos, dois casais que tinham hibernado algo amuados, acordaram no dia dos namorados, mas bem-dispostos, apaixonados.
Está bom de ver: não importa quem ama, nem como se ama. Importa é saber se se ama a fingir ou a valer.
A Cobra A, torcendo o nariz, velha mania sua, foi ler o livro A SOMBRA ESCONDIDA NA ESQUINA DA RUA. Livro estranho, quase medonho, que contava, a preto e branco, um longo sonho: Alguém, sempre a pensar que o pior estava sempre para acontecer, mesmo nas coisas mais pequeninas, tinha, por causa disso, um enorme pavor a esquinas. Porque o seguro morreu de velho, trazia, sempre, consigo uma lanterna e um espelho. Dizia que era para espreitar o outro lado das esquinas, antes de virar, e iluminar as sombras que por lá pudessem estar.
Um dia, ao sair de casa, logo de manhã, tropeçou numa pedra e … pum catrapum, pam… caiu. O espelho? Partiu. A lanterna? Fundiu. Mas a sombra da esquina não se sumiu. Continuava à espera e, desta vez, muito confiante… Pudera! A Cobra B, terminada a hibernação, sem demora, escolheu A SOMBRA DO GUARDA-SOL para ler lá fora.
Serpenteando, com o livro às costas, lá foi. Na sua cabeça faziam-se imensas apostas:
Como será a Sombra do Guarda-Sol: fresca ou quente? Será sempre igual ou sempre diferente? Será boa para descansar ou apenas para por lá se passar? E que seria o que no livro se dizia? Que a sombra do Guarda-Sol tem um não sei quê de magia, mexe, muda, rodopia, enquanto o Guarda-Sol, coitado, continua sempre ali, ao sol, quieto e espetado. A sombra do Guarda-Sol guarda a vontade de quem, usa a sombra para fugir ao calor que do Sol vem, sem guardar o Guarda-Sol. A sombra do Guarda-Sol é uma árvore de pano que se usa para dar sombra apenas um terço do ano. Uma árvore que se semeia, sem se regar, na areia.
O Lagarto C, que nunca se atrapalha, escolheu para ler A SOMBRA DO CHAPÉU DE PALHA.
Este chapéu de palha tem algo de especial: dá uma sombra esburacada e, por isso, refrescante, cheia de pontos de luz que a tornam mais elegante, quando o Sol brilha mais forte e não sopra o vento norte.
Mas quando o tempo, zangado, se transforma em tempestade, a palha, que dava sombra, aperta-se bem apertada e, de repente, o chapéu fica guarda trovoada.
O Lagarto D, animal de sangue frio, não gostou daquilo que leu e disse, num desafio: «Não acredito que haja no mundo um chapéu que seja assim!»
Existe, sim! Mal ele sabe que o tal chapéu foi o meu avô que o fez de propósito para mim.
O Lagarto D, que gosta de poesia, gostou muito de ler A SOMBRA DO SOL AO MEIO-DIA.
O livro resume-se assim: Há uma sombra sem sombra que é uma sombra de luz quando o Sol chega ao meio-dia. É uma sombra dourada, escondida, descansada e muito quente, coitada. É uma sombra que espera que aquela luz, fugidia, comece a ficar cansada de estar ali parada durante o imenso segundo que passa pelo meio-dia.
Depois cresce, vagarosa, caminha, silenciosa, até que a sombra sem sombra, que é a sombra do meio-dia, começa a ser a sombra dessa luz avermelhada que acompanha o fim do dia, paciente e descansada.
E apesar de ser sombra de outra hora do dia, apenas deixa de ser a sombra do sol ao meio-dia.
Conclusão das conclusões, apesar de quase tudo serem meras ilusões, não tenham medo de ler os momentos dos vossos dias: os trabalhos, os descansos, as tristezas e as alegrias. Não tenham medo de ler tudo aquilo que vos espanta nas nuvens esculpidas por quem só tem garganta. Não tenham medo de ler aquilo que vos rodeia: o esplendor da verdade ao entardecer e as sombras da mentira sob a lua cheia.
Não receiem escrever o que dizem que é proibido: as palavras nascem livres, calá-las não faz sentido.
Não receiem escrever o que sentem de verdade: ao fazê-lo vai crescer dentro de vós a liberdade.

10/09/2025
 

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