Antonieta Garcia
Os festivais de música, no Verão

Este ano, não sei por que conjugação dos astros, saiu-me um festival.
Realizou-se numa quinta de localidade termal, lugar onde é suposto reinar a calma, a rotina, e que, a haver apontamentos de festejo são sempre penteadinhos. Ora, qual não foi o espanto, quando noite dentro começa a ouvir-se, ao longe, um ritmo cuja identificação me escapa, mas que resumi a um martelar: tum, tum, tum, tum…
Era lá possível?! Era!
Ei-los! Quase todos jovens. Uma algaravia alegre ouvia-se em linguagens várias. Vêm de todo o lado. O inglês emparceirava com o português de igual para igual, o espanhol e o francês davam um ar de sua graça. Como se associa esta gente? As redes sociais anunciam, são fãs da música e das bandas que animam o festival e partem em demanda de uns dias felizes?
Como marcas de identidade, trazem uma mochila, uma tenda, carros tão velhos que calam a idade, roupeta parca, ruça, desbotada, estranha, muito tatuados, peircings em tudo quanto é sítio visível, magritos, cabelos entesados com cola e lã – pelo menos parece – e cortes e penteados tão inventivos que tornam os de Cristiano Ronaldo e afins numa vulgaríssima tradição.
- Olhe que são educados. Sabem o que dizem! Estavam ali a falar da Rússia e da Síria…, pasmava uma termalista que colara na testa de cada um, uns valentes gramas de loucura, de droga e sabe-se lá de quê mais. Num ou noutro caso, até podia acontecer, porque não são meninos de coro; todavia, os que apareciam na zona das termas, eram discretíssimos e dispostos a fruir três dias sem uma rixa, um conflito. Pacíficos, eram, não havia dúvida e reagiam calmamente a proibições, passavam palavra; assim aconteceu num café, cujo proprietário advertiu (na esplanada, ao ar livre): Aqui não se pode fumar…
Explicou: Já me queimaram umas almofadas. Só ali!...
E mostrava uma mesa vaga, ao lado.
O jovem levantou-se, sentou-se no lugar definido. Entra outro a fumar; avisa o amigo: Ali não se pode fumar porque já ali queimaram umas almofadas… Isto sem um tonzinho de arrelia, de quezília, de transtorno… Na boa! Juntaram-se os dois e por ali ficaram… Cervejas, tabaco, garrafas de vinho acompanharam tostas, sanduíches, ovos cozinhados ad hoc, conservas, melão, cafés… e sonos desencontrados dos da maioria dos mortais. Um colchão, um lugar à sombra, ténis, chinelos ou botas fora da tenda acautelavam que os donos dormiam, avisavam que ali ninguém rouba nada a ninguém, e que é no exterior, por motivos que se adivinham, que o calçado espera os pés que hão de usá-los, mais loguinho.
O comércio gosta deles. Não consomem coisas caras, mas pão, bebidas, frutas, e bolos se mais houvera, mais desapareceriam dos expositores. Pois é. Não sei quem foi que disse que um canto qualquer do coração tem sempre vinte anos! Verdadinha séria! Ei-los nos seus trajes excêntricos…Não são os hippies (ou serão, em versão atualizada?) dos anos 60 /70, do século XX, mas anda por ali uma matriz contestatária, rebelde a hipocrisias, e o amor da música, a aposta num viver comunitário, a demanda da felicidade num mundo-outro que avivam a lembrança de canções célebres de antanho: All you need is love…, If you go to S. Francisco...; I’m a dreamer…
Agora a música é pior, (desculpem lá!). Também não sei o que fizeram ao lema: Make love, not war…, mas praticam-no, creio.
Já me escapa a ideia de tatuagens definitivas, os peircings, os cabelos amarrados dias a fio que hão de doer, criar odores e tudo! E por que se tatuam? As “inscrições” todas iguais (ou tão semelhantes) não os distinguem. Servem de aproximação? Mas não procuram a criatividade? A irreverência é sobretudo exterior?
Alguns trouxeram filhos pequenitos. Brincam que se fartam. Têm um ar feliz. Só o ar? Até quando?
Em tempo de festival “cósmico”, estes moços bem-dispostos e pacíficos guiaram memórias de outras juventudes. Tiveram o condão de lembrar que, sim senhor, há sempre um canto do coração que pode voltar a ter 20 anos.