O que mudou e não mudou nas autárquicas

A TELEVISÂO E O SERVIÇO PÚBLICO
A primeira nota sobre o que aconteceu na noite das autárquicas do passado domingo tem que ver com a televisão. Às 22 horas a SIC e a TVI começaram a transmitir “reality shows”. A RTP cumpriu o serviço público realizando, aliás, o melhor trabalho da noite eleitoral. Vale a pena anotar para quando se discute a privatização da RTP. Creio que mesmo alguns, dos que defendem hoje vigorosamente tal privatização, se virão a arrepender muito se ela acontecer.
A RENOVAÇÃO DAS LIDERANÇAS
Nas mudanças haverá que referir, em primeiro lugar, a grande renovação das lideranças locais. Com a lei de limitação de mandatos do governo Sócrates, operou-se a maior renovação política autárquica da democracia portuguesa. Pode haver muitos argumentos contra e a favor da lei, mas, esta renovação traz, com certeza, novos protagonistas e novas dinâmicas políticas, o que ajuda à vitalidade da democracia. Catorze das 18 capitais de distrito do continente, entre muitas outras cidades e vilas de Portugal têm novos presidentes de Câmara.
OS INDEPENDENTES
Outro aspeto a salientar é a progressão dos candidatos independentes que tiveram mais votos e mais câmaras (passaram de 7 a 12) do que o CDS ou o BE, que são dois partidos com representação parlamentar e o primeiro é até um dos partidos fundadores do regime. É certo que muitos independentes são militantes partidários preteridos ou zangados com os seus partidos, mas, também em muitos casos, o seu afastamento resultou do aparelhismo partidário nas escolhas, como em Matosinhos (PS) ou Sintra (PSD). O facto do Porto, a segunda cidade do país ser ganha por um independente, que não tem ligações formais a qualquer partido, dá bem o significado da força que este impulso ganhou. Creio mesmo que, se os partidos continuarem no cozinhado aparelhistico que os tem caracterizado na escolha de candidatos a eleições, terão ainda maiores e graves dissabores em próximas eleições.
A MUDANÇA NA MADEIRA
Pela primeira vez Jardim e o PSD estão em minoria nas autarquias madeirenses. Perderam 7 em 11 câmaras. É sem dúvida uma mudança histórica porque prenuncia claramente o fim da tutela jardinista sobre a democracia na Madeira. Se Jardim não for embora rapidamente, os madeirenses, finalmente, querem e vão ver-se livres dele.
A VOLATILIZAÇÃO DO BE
O Bloco de Esquerda que, em termos autárquicos, já estava em estado líquido, volatilizou-se. Perdeu a única câmara que tinha e nem sequer elegeu o seu co-líder para Lisboa. Muitas razões haverá, mas os votantes do BE (que são menos dogmáticos que os da CDU) não poderão deixar de perguntar-se sobre as consequências de ter contribuído ativamente para a queda do governo Sócrates e a subida da direita ao poder. Talvez um mea culpa ajudasse a conter o declínio e o quase desaparecimento que parece inevitável e que só um tratamento privilegiado por muitas cumplicidades na comunicação social vai disfarçando.
A CORRELAÇÃO DE FORÇAS NO GOVERNO
O PSD foi o grande derrotado das autárquicas, mas o CDS é um dos vencedores. Passou de uma a 5 câmaras, na maioria dos casos diretamente contra o seu parceiro de coligação e partilhou a vitória do Porto da mesma forma. Reforça assim, mais uma vez, a sua posição política. O jogo duplo do “irrevogável” Portas parece continuar a dar frutos. Coligado com o PSD no governo e nalgumas câmaras, mas, principal adversário noutras.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO VOTO DE PROTESTO
Mais uma vez os portugueses mostraram ser sensatos e democraticamente bem comportados. O voto de protesto foi afinal capitalizado pelo PS e pela CDU (e não pelo menos orgânico BE), mostrando aliás uma clara deslocação à esquerda do eleitorado. O PSD perdeu câmaras para o PS e este para a CDU. Ainda que o PS acabasse por ter um resultado liquido muito positivo nesta transferência, também a CDU teve um saldo positivo. Mas, afinal, a catastrófica abstenção de protesto contra a política, que foi anunciada, não chegou a acontecer. Os portugueses mostraram (uma vez mais) que têm uma cultura política mais sólida do que lhes atribuem.
VITÓRIAS E DERROTAS
Vencedores e vencidos há em todas as eleições. O PSD foi o principal derrotado e o PS o principal vencedor como se esperava. Também o BE faz parte dos derrotados e a CDU e o CDS são também vencedores. Nada de muito inesperado e, por isso mesmo, sem grandes consequências de caráter global. A diferença é, por enquanto, conjuntural, colocando o PS em melhores condições para se consolidar como alternativa de governo e enfraquecendo a orientação política do governo em funções e a posição do PSD e de Passos Coelho.
António José Seguro reforça a sua posição e António Costa também.
CASTELO BRANCO
Em Castelo Branco também nada de inesperado. O PS derrotou copiosamente o PSD com o triplo dos votos. É uma grande vitória, mas, que traz responsabilidades acrescidas aos novos titulares dos cargos autárquicos. Porque esta vitória é, não só um voto de confiança para o próximo mandato, mas, também um julgamento sobre o trabalho realizado anteriormente e sobre Joaquim Morão, que sai assim com a mesma aprovação que sempre, legando-a a Luís Correia.