28 Agosto 2013

Fernando Raposo
A Obstinação de Passos

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Sob o calor intenso que se tem feito sentir, as labaredas desse fogo maldito, que todos os anos, pelo verão, nos atraiçoa, engolem hectares de floresta e destroem casas e vidas.
Sob o mesmo ímpeto destruidor das chamas, Passos Coelho persiste teimosamente em prosseguir a sua irracional obsessão de desestruturação do Estado e de desagregação social.
A pretexto da reforma do Estado, de que não se conhece uma única ideia, o primeiro-ministro não se coíbe de reiteradamente atropelar a lei. De nada valeu o folhetim na praça pública da irrevogabilidade da demissão de Portas e a extemporânea proposta de Cavaco Silva sobre um acordo de salvação nacional. Passos Coelho continua igual a si mesmo: insensível e obstinado, desafiando tudo e todos.
Fustigado pela violência das chamas e pela obstinação de Passos, o país vai ficando irremediavelmente mais pobre, mais triste e desolado.
No tradicional comício de “rentrée” do PSD, no Pontal, Passos não esconde o azedume e o desagrado para com o Presidente da República sobre o pedido de fiscalização preventiva da lei sobre a mobilidade dos funcionários públicos. Os fundamentos de Cavaco Silva são claros e inequívocos quanto à eventual “violação do conceito de justa causa para despedimento e do princípio da protecção da confiança dos funcionários públicos quanto à estabilidade do seu vínculo” (Filipe Santos Costa e Rosa Pedroso Lima, Expresso do dia 24 de Agosto). Terá sido a clareza dos argumentos do Presidente da República sobre a possível inconstitucionalidade da lei que terá irritado Passos e alguns dos seus seguidores.
A possibilidade de despedimento sem justa causa na Administração Pública, deixaria os funcionários públicos desprotegidos e reféns da arbitrariedade de gente sem “espessura ética e moral” que por cumplicidade partidária assume de quando em vez a administração da “coisa pública”. Esta possibilidade de condicionamento ideológico dos funcionários públicos, caso a lei viesse a ser aprovada, teria como consequência a fragilização do próprio regime democrático.
A Lei sobre o sistema de requalificação da Função Pública está enformado por princípios de natureza economicista, cujo autor negligencia a especificidade e a natureza do serviço público e trata a Administração Pública como um mero negócio, como se os objectivos, os meios e os fins da gestão fossem os de uma qualquer mercearia. Pobre país que se vê governado por gente que pensa deste modo.
Neste momento mais difícil do país, impunha-se maior abertura e diálogo com todos os partidos e parceiros sociais, no sentido de se encontrarem soluções mais sustentadas e duradouras, que preservassem a coesão social e a dignidade do país.
O autismo do primeiro-ministro, cujas consequências dramáticas estão a ser vividas diariamente por todos, terá certamente implicações ao nível do realinhamento dos partidos enquanto expressão do sentimento de revolta, mas também de esperança, dos portugueses.
Se os verdadeiros sociais-democratas não tiverem a coragem de colocar um freio à deriva neo-liberal de Passos, correr-se-á o risco da perda do consenso ao centro do espectro político, que tem estado na base da consolidação da democracia e dos progressos alcançados.
Tal situação poderá conduzir à erosão do PSD, ao surgimento de movimentos inorgânicos de protesto e a um realinhamento do PS á sua esquerda. Os apelos de Mário Soares, de Manuel Alegre e de outras figuras do partido para que o Secretário Geral do PS não assinasse o acordo de Salvação Nacional proposto por Cavaco Silva, devem ser lidos com realismo dado que o radicalismo do actual PSD inviabiliza qualquer possibilidade de entendimento.
As próximas eleições autárquicas poderão ser um bom indicador da redistribuição dos eleitores, prevendo-se, em princípio, uma maior concentração do voto nos partidos do centro-esquerda.
O PSD poderá vir a ser afastado do arco da governação por muitos e muitos anos, como o partido comunista o fora depois do radicalismo deste durante o chamado PREC (Processo Revolucionário em Curso), em 1975.
Se o extremismo do PC se traduziu, em parte, nas excessivas nacionalizações e na chamada colectivização da economia, o radicalismo do PSD de Passos assume contornos opostos, desbaratando a riqueza nacional, destruindo o sector produtivo e desmantelando os serviços públicos.
Com a mesma coragem com que Mário Soares e o “Grupo dos Nove” travaram, em 1975, o impulso extremado do PC e dos revolucionários do MFA, também agora é imperativo travar o ímpeto destruidor de Passos e do seu PrEC (Processo reaccionário em curso).

28/08/2013
 

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