FAZ HOJE, QUARTA-FEIRA, 59 ANOS
O tornado que arrasou parte da cidade
De um momento para outro ficou tudo escuro, começou a ouvir-se um barulho ensurdecedor e instalou-se o caos, com o vento a levar na frente tudo o que encontrava no caminho. É assim que as pessoas descrevem os segundos que durou o tornado que a 6 de novembro de 1954 arrasou parte da cidade de Castelo Branco.
Era um sábado, quando segundo os testemunhos, às 12h50 a tragédia se abateu sobre a cidade, deixando um rasto de destruição, porque o tornado levou telhados, arrancou árvores pela raiz, derrubou paredes, virou carros, destruiu montras e deixou as ruas e avenidas do centro da cidade cheias de destroços.
Mas, pior que tudo isso, é que para além dos avultados danos materiais, também se registaram vitimas: cinco pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas, não havendo mãos a medir para acudir a todos no meio do pânico que, entretanto, se tinha instalado.
Para recordar o que foi o tornado de 1954 e não o tufão, como muitos o classificaram e ainda chamam, a Gazeta foi falar com o meteorologista Costa Alves, que nos dá uma perspetiva do fenómeno, quer cientificamente, quer a nível pessoal, uma vez que também viveu os acontecimentos.
Costa Alves recorda que na altura tinha 10 anos, frequentava o 1º ano do Liceu Nuno Álvares e o dia 6 de novembro de 1954 ficou-lhe também na memória, porque nesse dia era a primeira vez que ia para a Mocidade Portuguesa.
“Uma massa
escura no céu”
Ao final da manhã desse sábado, estava em casa, na Rua Prior de Vasconcelos, junto aos Três Globos, com a mãe e relembra que esta abriu a porta para ir ao quintal, mas assim que o fez “deu um grito”.
A aflição da mãe fez com que Costa Alves fosse a correr, para ver o que tinha acontecido e afirma que com a porta aberta a única coisa que viu foi “uma massa escura no céu”.
Depois “ouvi um estrondo, que eram as telhas cair na rua e no sótão”, pois o telhado da casa pura e simplesmente foi arrancado.
Costa Alves refere que, na ocasião, a “minha mãe ficou convencida que tinha sido um raio que tinha atingido a casa” e, por isso, “mandou-me ir a casa de uns tios, que moravam na Rua 5 de Outubro, pedir ajuda”, referindo, agora, que “mal sabia ela, e eu, que não tinha sido apenas a nossa casa que tinha sido afetada”.
Algo que descobriu mal saiu de casa, porque “mal abri a porta vi um senhor de idade, encostado a uma parede, com as mãos ensanguentadas, pelos ferimentos provocados pelas varetas do guarda-chuva, que se tinham enrolado, devido à força do vento”. E acrescenta que, certamente, o senhor “não sofreu mais ferimentos, porque com certeza que foi protegido pela parede onde estava encostado”.
Costa Alves recorda igualmente que o pai “trabalha em frente à Sé e, quando saiu às 13 horas, não se apercebeu de nada. Só quando chegou em frente ao Banco de Portugal é que começou a ver a desgraça que tinha havido na cidade” e acrescenta que, então, “começou a correr, porque a minha irmã estava no Liceu” e a preocupação era natural.
Costa Alves relembra também que “o tornado coincidiu com a hora de saída do Liceu e dos empregos, passou na zona central da cidade” e, daí, que tenha provocado “cinco mortos e mais de 200 feridos”, o que, realça, faz com que este tornado, “continue a ser o de referência, em Portugal, em termos de mortes e feridos”.
Salto de 23 milibares
no barómetro
Mas o tornado de 1954 é também um dos mais violentos registados no País, com Costa Alves a adiantar que “não tivemos nenhum aparelho para medir, porque no Liceu havia uma estação climatológica do então Serviço Meteorológico Nacional, mas, como estava na rua, desapareceu e, daí, não haver nenhum registo nem de velocidade do vento, nem de temperatura, nem outros”.
Ou melhor, há um único registo, porque o “senhor José Carrondo, que era o responsável pela estação, tinha dentro do Liceu o barómetro registador da pressão atmosférica, no qual ficou registado um salto de 23 milibares”. Ou seja, o que ficou registado foi um V, em que o vértice equivale à passagem do tornado.
Com base nestes elementos, Costa Alves avança que o tornado de 1954, “pelos efeitos, terá sido um F2, com ventos até 252 quilómetros por hora, ou na transição de F2 para F3, que vai para mais de 300 quilómetros por hora”, sendo que a Escala de Fujita vai até F5.
Avança, por outro lado, que o tornado “veio de sudoeste, da zona de Sarnadas, e dissipou a cerca de cinco quilómetros a nordeste da cidade, na zona do Lance Grande”, apresentando “um percurso de 20 a 30 quilómetros e um diâmetro de ação de 200 e tal metros”.
No que respeita à cidade propriamente dita, “bateu desde a base da encosta do Castelo até ao Bairro da Horta D’Alva, apanhando a Avenida de Nuno Álvares, a Devesa e a Avenida General Humberto Delgado”.
Não foi um tufão
O tornado de 1954 é conhecido por muitos como tufão, mas essa é uma denominação errada. Costa Alves afirma que “lhe chamaram tufão, porque não sabiam” e realça que, “na altura, inclusive os professores de Ciências Naturais e de Físico-Químicas se envolve-ram numa polémica, nos jornais, com uns a defender que era um tufão e outros uma tromba de água”.
O garantido é que qualquer dessas deno-minações é errada, uma vez que na realidade se tratou de um tornado, que se caracteriza por ser “uma perturbação de pequenas dimensões, muito intensa, que atinge uma área espacial pequena, de 20 a 50 quilómetros de extensão”.
De acrescentar, ainda, que os tornados têm a sua origem em nuvens com desenvolvimento vertical acentuado, sendo que no interior se cria uma depressão e forma-se uma tromba. Quando esta chega ao solo dá origem ao fenómeno denominado tornado.
AT