12 março 2014

Antonieta Garcia
“Carrapatinha”

Abril de 74 estava novinho em folha. O entusiasmo era infinito. Uma revolução de cravos na Primavera semeia o amor, rompe casulos, a atração pelo renascer é irresistível.
As aves, as cores, os aromas mesclavam-se com cantares de resistência que inebriavam, iluminavam os dias. Embriagávamo-nos de palavras: Grândola era lema e o símbolo: terra da fraternidade e de paz. Zeca Afonso, amigo e companheiro, criara os hinos da nossa utopia.
Os mais jovens fruíam a liberdade em busca de saberes e amavam-na, viviam-na euforicamente arrebatados entremeando-a na trama da vida. Era tudo tão novo!
Desse tempo, lembro a hesitação/aflição de um diretor de uma escola de formação de professores, no Minho. Andaria pelos 50 anos; era escultor. Finalizara, então, uma obra. Com um sorriso contava que a neta, pequenina, entrara no ateliê, vira a escultura, um nu feminino, e comentara meio dorida: Avô! Está “carrapatinha”!
Estava! Foi o batismo perfeito… Os artistas têm destes devaneios, graças aos deuses bons.
Ora, este diretor, com uma cabeça aureolada de cabelos brancos, ia a entrar na Escola e vê, em frente da porta por onde tinha de passar, obrigatoriamente, um parzinho enlevado, alheio a tudo. O beijo que trocavam levara-os numa viagem, sem retorno à vista. E agora? Inseguro da terra que pisava, retardou os passos. Juntaram-se alunos, gente bonita, ativa, com uma vida inteirinha pela frente para semear saber e ternura. Vinham para as aulas, olhavam aquele amor e sorriam; expectantes aguardavam a reação do diretor. Não sabiam que na sua cabeça, os pensamentos se atropelavam. Vacilava. Falo, não falo? Qualquer admoestação mais dura, naquele tempo, valer-lhe-ia a qualificação de burguês e, sabe-se lá!, se de fascista ou pior ainda… A porta da escola, porém, não era o local apropriado para a manifestação de tal encantamento. O beijo longo, longo, continuava.
Afinal, era Primavera e aquele par de namorados estava, via-se a olho nu e de artista, desesperada e perdidamente apaixonado. Trocava afetos. A barreira terminara. O silêncio ia longo e as frases baralhavam-se, cruzavam-se com gatafunhos, as palavras bloqueadas na garganta. No momento de atravessar a porta tem uma ideia luminosa. Com sangue frio, muita calma, aventurou-se:
 - Depois de almoço? Olhem que pode fazer-vos mal!
Sem mais. Houve risos dos colegas, atarantou-se o casalinho, o diretor desaparecera. Aliviado. Aos 20 anos, qualquer jovem é rei do mundo e ele sabia-o.
Contava-nos a história com um sol a brilhar nos olhos, como se saboreasse uma maçã sumarenta; divertia-se e alegrava-se carinhosamente. Ajudava os colegas a gerir situações similares e muito comuns, na época.
A revolução dos cravos, como qualquer outra, soltara fios rebeldes, ensaiava os primeiros passos, fazia pactos com uma vida nova. Criticavam portugueses de 24 do mês primaveril: Já não há respeito!
Havia, pois! Mas a montanha de vergonha e medo, matreira velha, usava argumentos que colhiam, em terras de província, onde o regulamento do namoro se cumpria, às claras, e se desrespeitava às ocultas. Basta ler narrativas de escritores portugueses para perceber de que falamos.
O labirinto era complexo, o fio de Ariadne sabe-se lá por onde andava. Por isso, as histórias vividas e sonhadas, ficcionadas, cerziam muitas e diferentes linhas de sentido. Era um jogo novo de sujeitos a conjugar verbos renovados, no presente e no futuro.
Quarenta anos depois do abril da liberdade, se passearmos pelos jardins e ruas dos nossos burgos, percebemos logo a influência do Cupido, mal chega a Primavera. Parzinhos apaixonados não se contêm e os afetos são públicos e gritados nas paredes, se um deles é artista, ou julga que é. Em duas, três palavras, que o tempo é de economia de expressão, adoram-se… e fartam-se.
Naturalmente os SMS, a que não temos acesso, e o facebook que todos espreitam, muito abordam estas matérias. Não é como outrora. Nada é. Mas estou em crer que tais maquinetas estragam ideias com que se adornava e jurava amor “eterno”.
Agora, os casalinhos divulgam (postam) sonora e iconicamente a adoração; esperam likes ou fórmulas afins. As selfies também estão na moda e dizem a felicidade do par, por imagens…
Deve ser uma canseira, por tudo isto a funcionar…E demora muito tempo. Quanto sobra para namorar realmente? Carrapatinhas ainda há quem faça…

12/03/2014
 

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