15 outubro 2014

Maria de Lurdes Barata
PRAXES – INSTRUTOR DE VIOLÊNCIA PARA RECRUTA DE SUBSERVIÊNCIA

Gritos de praxe. Procissão de caloiros. Início de ano lectivo nas instituições de ensino superior. Passa um cortejo de barulho. Engano-me ou as pessoas que param têm no olhar não o sorriso complacente perante uma graça académica, mas uma seriedade sombria das memórias das praxes violentas? A memória agarra-se a violências com desfechos graves. A reflexão traz-me palavras de Ghandi: «O que mais me preocupa nos fracos é que eles precisam de humilhar os outros para se sentirem fortes». Lembrei-as, porque o espectáculo de praxe, a que se assiste em todo o país, provoca a sensação de apetência delirante do poder exercido sobre o outro, sem limites de respeito por esse outro. As lembranças de alguns casos são suficientes para desencadear repúdio: houve os que não aguentaram psicologicamente e abandonaram a ideia de seguir cursos superiores; houve agressões físicas sem responsabilidade, provocando mesmo a morte (noticiadas nos jornais); houve problemas de alergias graves, mesmo alertadas por caloira, com mistelas envolventes de cabeleira; houve casos de usufruto de serviço doméstico prestado pelos caloiros; houve até violações, umas denunciadas, outras não denunciadas, que o frenesim de certos momentos provocou.
Uma notícia recente fez explodir a indignação: em Leiria, os estudantes acharam gozo de praxe fazendo palhaçada com os acontecimentos da praia do Meco, que exalam morte e confusão. Da tragédia fez-se uma comédia. Fica-se estupefacto perante a insensibilidade, a inconsequência de jovens que exprimem a indiferença diante do drama do desaparecimento para sempre dos colegas do Meco.
As humilhações que vão passando sem consequências ou traumas de maior (para alguns), como o andar de quatro, o ser escarrado, o despir-se, o simular relações sexuais, o rebolar-se em esterco, e sabe-se que há mais, parecem jogar-se entre sádicos e masoquistas, que treinam uma inserção social, para lá do espaço escolar, como um destino inelutável de autoritarismo e submissão. É um atentado contra o minimamente permissível, com falta de educação e civilidade, cinicamente em nome da integração dos novos caloiros. A praxe (copiada de Coimbra) degenerou e foi aumentando o movimento anti-praxe e a recusa dos cidadãos.
Sempre me entusiasmou a vivência académica, as diabruras das horas livres, sempre sorri com certas situações cómicas, sem que ninguém se sentisse humilhado. Ainda lembro as aulas-fantasma (participei numa, a pedido de alunos meus) e do riso de situações, tipo de apanhados. No entanto, lembro-me de uma vez intervir, falar com a comissão da praxe, porque os caloiros faltavam à minha aula por causa da praxe… Perguntei se era isto a integração e resultou.
A estratégia de humilhar, em vez de integrar, para exercer um poder, um poderzinho por que muitos anseiam, efémero embora, onde se joga frequentemente baixeza de carácter dos actores e mediocridade, parece ser treino de estratégia para a vida e para submetidos voluntários diante da hierarquia com autoritarismo, sem autoridade conquistada. Lembro, a propósito, um artigo de Daniel de Oliveira, escrito em 2011, de que não resisto a um extracto: «A praxe é a iniciação de uma longa carreira de cobardia. Na escola, perante as verdades indiscutíveis dos “mestres”. Na rua, perante o poder político. Na empresa, perante o patrão. A praxe não é apenas a praxe. É o processo de iniciação na indignidade quotidiana. O pior escravo é aquele que não se quer libertar. E que encontra na escravidão o conforto de ser como os outros. Os caloiros que aceitam a praxe não são ainda escravos. Apenas treinam para o ser ».
Muitas Associações de Estudantes propuseram este ano uma regra: só és praxado, se quiseres. Parece já vir de outros anos, em certos casos. Mas não vai haver o medo da marginalização? Esperemos, porém, que as palavras de Schiller tenham força: «Quem nada teme não é menos poderoso que aquele a quem todos temem». Ser livre depende de um acto de coragem.

15/10/2014
 

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