19 março 2014

Maria de Lurdes Barata
MÁSCARAS E MASCARADOS

Na memória dos dias de um ano qualquer repetem-se ciclos e efemérides, renovações de Primaveras e amarelecimentos de Outonos, sempre a prometer passagens, de que retemos as da esperança. Tudo decorre num turbilhão de viver, entre lágrimas ou risos. Foram assim os dias passados do Carnaval de 2014, que se viveu com a alegria duma libertação, transitória embora, prenunciada com a expectativa ansiosa dos preparativos para desfiles, para gargalhada e para esquecimento das preocupações, como um intervalo do quotidiano sofrido. O Carnaval mostrou-se com a pujança possível, por todo o lado, à maneira de cada comunidade, com a marca de Entrudo que esteve na sua origem. Uns dias diferentes para esquecer outras coisas. E é assim que se torna catarse e libertação.
Conforme se sabe, o Entrudo conquistou as ruas com mais sofisticação, tornando-se o Carnaval que se expressa em desfiles. Nem por isso perdeu a irreverência, aproveitando-se a época para críticas acutilantes e para troça que provoca a risada. Hoje assistimos ao acto de gozar políticos que incomodam ou situações caricatas que se vivem quotidianamente, gerando-se uma espécie de exorcismo de diabinhos que perturbam a paz ou o bem estar.
A máscara privilegia-se no carnaval, mas todos os dias nos deparamos com máscaras e mascarados. A máscara é utilizada com fins diversos, como os lúdicos (há os bailes de máscaras e há as máscaras de carnaval) religiosos, artísticos (no teatro, por exemplo, ou as famosas máscaras do Carnaval de Veneza) ou de sentido prático (máscaras de protecção). O seu valor simbólico de disfarce e mentira torna-se abrangente e, ao esconder, também revela. Revelações temos muitas: as das palavras enganadoras (e lá vem o provérbio: Debaixo da boa palavra aí está o engano) das falsas promessas, reveladas quando a máscara cai (Por muito que o engano se cobre, ele mesmo se descobre), as das inevitabilidades da austeridade dura e desigual, para ter os portugueses conformados e quietinhos.
A expressão cai a máscara aparece frequentemente quando num momento o utilizador dessa máscara se descuida com as palavras, que são sempre perigosas. Na quarta-feira, 12 de Março (para dar um exemplo) o primeiro ministro dizia numa entrevista: «Se não houvesse abertura, não íamos querer que o partido socialista aprovasse as medidas que o Governo vai tomar». Ora, abertura não é ao diálogo, mas a um simples assinar um documento proposto pelo Governo… Claro que o primeiro ministro tentou remendar com outras palavras, mas que foi espontânea a queda da máscara lá isso foi.
Mascarado vem também o ministro que afirmou que o país está melhor, embora as pessoas continuem a viver pior. Por isso vem a gargalhada da descoberta da máscara, que o sarcasmo do humorista Ricardo Araújo Pereira (Visão nº1095) nos proporciona: «O circo parece, aliás, aumentar à mesma velocidade a que o pão diminui. A grande conclusão do Congresso foi exactamente esta ideia, mas vertida para linguagem política. Fica assim: o País está melhor, mas as pessoas estão pior. O País e as pessoas são duas entidades distintas. O PSD, coitado, tem feito os possíveis para melhorar o País, e com muito êxito. Mas as pessoas, por uma razão qualquer, resolveram regredir. Se o País não tivesse pessoas, os problemas de Portugal estavam resolvidos. Infelizmente, vivemos num daqueles países que incluem pessoas».
Neste jogo de máscaras, neste esconde esconde de enganos, impõe-se a lei do mais forte sem ser o mais justo. Disse Oscar Wilde: «Por detrás da Alegria e do Riso, pode haver uma natureza vulgar, dura e insensível. Mas, por detrás do Sofrimento, há sempre Sofrimento. Ao contrário do Prazer, a Dor não tem máscara»
Há ainda a máscara dos que pretendem ser sempre politicamente correctos para usufruir ganhos. Tanto usam a máscara que acabam por ser a personagem que ela representa – quem não vive como pensa acaba por pensar como vive, disse alguém.
Será que a vida é mesmo um carnaval?

19/03/2014
 

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