Valter Lemos
A INSEGURANÇA DO PS(2): A TEMPESTADE PERFEITA
No mês passado referi que a situação interna do PS não interessava a esse partido nem ao país e não se percebia a razão pela qual António José Seguro tinha criado uma situação de adiamento para a decisão sobre a liderança, inventando umas eleições primárias que antes sempre recusara. Tal como previsto, o prolongamento da situação só tem degradado as relações internas e a imagem pública dos candidatos e enfraquecido a posição do Partido Socialista no quadro da sua constituição em alternativa forte à maioria atual e na emergência de uma nova política mobilizadora para o país.
Mas, se a “invenção” das primárias parecia uma simples fuga para a frente de Seguro, a verdade é que o que se vai sabendo sobre o processo (como a golpada no âmbito da Associação Nacional de Farmácias, ou, o facto de ter sido recusada a constituição de uma comissão de fiscalização) não só não ajuda a criar mecanismos de confiança das pessoas no PS, como parece estar a ter efeitos bem negativos, porque começam a vislumbrar-se os “golpismos” e os “aparelhismos” que tanto têm prejudicado a imagem da atividade política e ajudado ao afastamento e à desconfiança dos cidadãos e a degradação da imagem dos partidos.
Como se tudo isto não fosse suficiente para turvar as águas internas e até externas do PS, a direção de Seguro resolveu convocar eleições para as federações distritais no início de Setembro, fazendo recair em Julho e Agosto toda a discussão política inerente, cuja inoportunidade tinha sido alegada para justificar a não decisão célere da questão da liderança e o seu adiamento para finais de Setembro.
A questão da liderança era já uma grave razão da luta interna que tem vindo a extremar-se, com acusações mútuas dos apoiantes e até lamentavelmente com insultos não só em privado, mas, também em público e até publicados como, aliás, já referi em crónica anterior (honra se faça a António Costa cujas intervenções públicas têm sido pautadas por total ausência de comentários ou considerações, quer sobre tais situações, quer mesmo sobre o seu adversário). Mas, as eleições para os órgãos distritais, vieram agora acrescentar conflitualidade a uma situação já muito conflituosa. Às divisões dos projetos e personalidades em causa para a liderança, acrescentam-se agora as divisões dos projetos e personalidades para as lideranças distritais, as lutas e ambições pelos lugares de possível acesso a cargos políticos, as divergências de estratégia local, os sindicatos de voto, as rivalidades geográficas, pessoais, etc.
Tudo isto se agrava pela razão de diversos líderes distritais estarem no limite dos seus mandatos e não se poderem recandidatar, como é o caso de Joaquim Morão no distrito de Castelo Branco. Temos pois as condições para uma “tempestade perfeita” no PS. São as condições adequadas à insensatez, às fugas para a frente, aos assassinatos políticos, aos golpes.
O processo que se abriu com a candidatura de António Costa à liderança do PS parecia poder conduzir a uma melhoria do relacionamento dos portugueses com a política e com os partidos. Face às circunstâncias que estão criadas é bem possível que aconteça o contrário. Para contribuir para a reconciliação dos cidadãos com a política e com os partidos seria necessário que tudo o que vai ocorrer (designadamente as primárias e as eleições internas) no PS nos próximos meses fosse absolutamente impoluto e transparente. Se assim não for, o processo pode mesmo aprofundar as razões que hoje são frequentemente invocadas para considerar a política a fonte de todos os males, os partidos como sítios mal frequentados e pouco recomendáveis e os políticos como gente somente interessada na manutenção dos seus lugares e dos seus amigos.