Fernando Raposo
Face ao estado a que isto chegou, Mobilizar Portugal é preciso!
O país ainda não se recompusera do “choque” dos vistos dourados. Não havia memória de tantos altos quadros da Administração Pública serem detidos. Do BES já pouco se falava. Não fosse o desfilar de tão ilustres personalidades pela Comissão de Inquérito do Parlamento e já ninguém se lembraria de tamanha catástrofe. Do BPN já não havia memória, a não ser dos prejuízos que todos os dias recaem sobre os ombros dos contribuintes.
Poucos dias depois, sob os holofotes de alguma comunicação social, o antigo primeiro-ministro, José Sócrates, era detido no aeroporto de Lisboa, logo que colocava o pé em território nacional. Para humilhação do próprio e de todos nós.
Incompreensível a mediatização destes casos, seja a detenção de Sócrates, de Ricardo Salgado ou de quem quer que seja. Este modo de agir por parte da justiça em nada a enobrece.
À hora em que redijo este texto, já são conhecidas as medidas de coacção do antigo primeiro-ministro. Seja qual for o desfecho final deste processo, a garantia do princípio da inocência, ficou irremediavelmente comprometida.
Contudo, apesar do constrangimento e do sentimento de tristeza que a detenção de Sócrates possa significar para muitos, é fundamental que as emoções não se sobreponham à razão e que se deixe a justiça cumprir o seu papel.
São demasiados os “casos” em que a política, a finança e os negócios embaraçam o país, reforçando a convicção daqueles que, cada vez mais numerosos, deixaram de acreditar nos políticos e nas elites.
Mas este não é um problema exclusivo da política, da finança e dos negócios. Os exemplos abundam em todas as áreas, pelo que esta propensão para o “dislate” é, antes de tudo mais, um problema dos homens.
Assim sendo, as organizações, privadas ou públicas (partidos, bancos, empresas, clubes, instituições do Estado,…) têm de ser capazes de se auto-regular, na sua organização e funcionamento, na forma como seleccionam ou legitimam os seus líderes, na definição dos códigos de conduta que devem ser observados, etc., para que não fiquem reféns do voluntarismo aventureiro e dos desmandos dos eleitos ou escolhidos.
Em todos os casos, sem excepção, exige-se uma justiça actuante, célere e justa. Desse modo, teremos razões para nos sentirmos livres, seguros e orgulhosos da comunidade a que pertencemos.
Face ao estado a que o país chegou, traduzido na degradação económica e social e na deterioração das instituições, em que os códigos de conduta ética e moral se deixaram amolgar pela pressão dos interesses (individuais ou corporativos), seria pois imprudente e insensato que os responsáveis dos partidos e de todos os sectores da sociedade, e os cidadãos em geral, se digladiassem na praça pública, num indecoroso exercício de recriminações.
O momento que vivemos, de muita incerteza e angústia, exige, por imperativo nacional, um esforço de entendimento de todos, quer na reflexão sobre o passado que nos trouxe até aqui, quer sobre o caminho que queremos trilhar daqui em diante.
Os anos que já levamos de crise, e cujas consequências têm sido excessivamente duras para a grande maioria dos portugueses, deveriam ser o bastante para nos impelir a fazer as reformas estruturais que todos reclamam urgentes, mas que são sucessivamente adiadas.
Que este momento mais sombrio da nossa história recente sirva ao menos para nos entendermos e nos mobilizarmos em torno daquilo que deve ser o interesse de todos.
Que se discuta tudo, sem excepção, e se construam os consensos necessários em torno de um desígnio comum.
Se formos capazes de fazer com que cada um de nós se sinta orgulhoso do país a que pertence, estaremos a dar o primeiro passo firme para não termos receios em relação ao futuro.