Cesaltina Gilo
AS CORES DO RISO
Estão as cores do riso e do sorriso interligadas num significado cromático, metafórico, mas diferente no significado de representação das cores entre os povos. Será a cor do riso uma das sete cores definidas no espectro de Newton ou uma mistura de cores? Tudo na vida se interpenetra numa expressão sem fim.
Existe o chamado riso amarelo, que é riso forçado, riso sem tom de riso, riso de circunstância, riso sem vontade de rir, que pode ser desdém. Existe o riso (sorriso) verde da Natureza, que Fernando Pessoa magistralmente expressou: «Sorriso audível das folhas / Não é mais que a brisa ali / Se eu te olho e tu me olhas, / Quem primeiro é que sorri? / O primeiro a sorrir ri. (…)». Existe o riso doce, fresco, das crianças, que decerto também é verde, existe o riso da alegria e o sorriso da tristeza, aos quais cada um atribuirá uma cor. Existe o sorriso enigmático da Gioconda de Leonardo da Vinci.
Rir a bandeiras despregadas sempre fez bem à saúde. O povo português nem sempre ri a bandeiras despregadas, mas é detentor duma grande capacidade de transformar em humor as próprias desgraças, sobretudo quando é vítima de maus governos. A propósito de bandeiras despregadas, lembro aquele ex-aluno da Universidade do Algarve, autor da escultura “Portugal na Forca” exposta em Faro em Julho de 2012. A peça era composta por um poste em forma de forca onde foi pendurada a bandeira portuguesa. Era o projecto final do curso de Artes Visuais. A ideia não foi atacar a bandeira, mas sim defender o que ela representa de facto naquele contexto: a nação que se sente ameaçada e ‘enforcada’ pelas limitações que foram impostas e que são de cariz económico e político. Não se verificou a falta de respeito contra símbolos nacionais. Todavia, a polémica terminou da melhor forma pois, caso contrário, redundaria num Portugal já completamente morto, ao qual nem sequer poderia ser dado o epitáfio descansa em paz. Também não foi desrespeito quando no 5 de Outubro de 2013 o Presidente içou a bandeira portuguesa ao contrário. Os portugueses compreenderam isso, mas ficaram a rir-se por dentro, pois atribuíram ao acaso deste incidente um certo significado. Alguns até ficaram com ar de riso. É uma outra cor do riso… Também o riso daquele que se julga sabichão, opulento de importância, se torna risível, ridículo.
Na poesia trovadoresca, em cantigas de escárnio e maldizer, pretendia-se meter a riso pessoas e costumes, decerto todos riam de orelha a orelha, como ainda hoje acontece nas sátiras e anedotas para castigar alguém. A crítica foi frequente ao cavaleiro famélico, cuja miséria é reflexo de transformação social, com a decadência da nobreza à medida que a burguesia progride. Este tema da época dos trovadores e da farsa vicentina é retomado em O Fidalgo Aprendiz de D. Francisco Manuel de Melo. O riso que nasce da crítica social tem sempre várias cores. Não esqueçamos que rindo castigam-se os costumes… “O riso é a mais útil forma da crítica, porque é a mais acessível à multidão. O riso dirige-se não ao letrado e ao filósofo, mas à massa, ao imenso público anónimo” – disse Eça de Queirós.
Ao bornal das minhas memórias vou buscar um soneto de António Nobre: «Não repararam nunca? Pela aldeia, / Nos fios telegráficos da estrada, / Cantam as aves, desde que o sol nada, / E, à noite, se faz Sol a Lua-Cheia. / No entanto, pelo arame que as tenteia, / Quanta tortura vai, numa ânsia alada! / O Ministro que joga uma cartada, / Alma que, às vezes, de além-mar anseia: / - Revolução! – Inútil. – Cem feridos, / Setenta mortos. – Beijo-te! – Perdidos! / - Enfim, feliz! - ? - ! – Desesperado. – Vem. / E as boas aves bem se importam elas! / Continuam cantando, tagarelas: / Assim, António! deves ser também.». O poeta não consegue ser como as aves tagarelas, porque não é indiferente ao mundo humano. Mas todos nós gostamos de rir, de sorrir, de ter por companhia uma boca de riso, porque a alegria também deve ser parte das nossas vidas. Fiquemos com Victor Hugo: «A gargalhada é o sol que varre o inverno do rosto humano».